29 de março de 2017

CARTA DE CAYMMI PARA JORGE AMADO
“Jorge, meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci.
Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês.
Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.
Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta.
Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?
Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha?
Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.
Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.
Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho.
A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.
que bom é ser contemporâneo de poetas que a gente admira

e poder ver a Ana Martins Marques tomar uma cervejota marota

ali na sapucaí

trocar um olhar empático de quem tem alguma intimidade apesar de nunca a ter devolvido nenhuma palavra.




28 de março de 2017

amor que corte fecha abre sangra e cicatriza

costurado



e no lugar do corte nasce uma nova pele

mais espessa e forte

traz em si a marca do que viveu e reinventou

21 de março de 2017



milton

mil tons

a tempo

há tempo

atemporal

há temporais

19 de março de 2017

16 de março de 2017

a pele por extenso

quando a gente escreve ou desenha na pele e deita na cama o desenho passa para o lençol.



Em 30 de julho completaram-se 35 anos da histórica greve dos operários da construção de Belo Horizonte (MG), deflagrada em julho de 1979, que ganhou o nome de “Rebelião dos Pedreiros”, tamanha a sua massividade, combatividade e revolta dos operários contra a situação de opressão e arrocho a que estavam submetidos. Como um turbilhão, a massa operária irrompeu pelas ruas desafiando a fascista ordem do regime militar pró-ianque, que reprimia a ferro e fogo todo movimento de resistência.
No dia 30 de julho de 1979, quase todas as obras foram paralisadas pela cidade. Os trabalhadores saíram dos canteiros de obra e concentraram-se na Praça da Estação. A polícia tentou cercar os manifestantes que romperam o cerco partindo em passeata para o antigo campo do Atlético, onde hoje funciona o Diamond Mall. Um táxi, que forçou caminho entre a multidão, atropelou um operário. O motorista se recusou a socorrer o ferido e o carro foi incendiado no meio da avenida. A greve se radicalizou.
Nos últimos dias de julho, o comércio cerrou suas portas no centro de Belo Horizonte. O antigo campo do Atlético foi palco de concorridíssimas assembleias, onde milhares de operários despertaram-se para a luta.
No dia 30 de julho, a cidade parou.
A tropa da PM investiu contra os operários com cacetadas e disparando armas de fogo. Um dos tiros disparados pela PM atingiu o peito do operário tratorista Orocílio Martins Gonçalves, que caiu mortalmente ferido. Os operários responderam com pedradas e a repressão recrudesceu. Trabalhadores tentaram resgatar o corpo do companheiro morto, mas foram impedidos pela saraivada de balas que a PM continuou a disparar. O muro lateral do ex-campo do Atlético ficou marcado de balas. Até hoje os assassinos do companheiro Orocílio Gonçalves, 24 anos, pai de um filho, continuam impunes.

2 de março de 2017




30 meninos que o tempo criou
eu sei que eu sou o que fui e o que sou


Homem de Trinta
Sérgio Sampaio
 

Quase que eu fui pro buraco
Por pouco nao fui morar no porão
Dancei mas não sei não
tive cuidado
De ter os pés quase sempre no chão
E a cabeça voando como se voa na imaginação
Longe do resto do bando
Mas sempre perto do meu coração

Depois de algum tempo nisso
Indo no fundo e voltando pra ver
Eu me descubro, amor, dentro do vício
Maravilhosamente a renascer. . .
Amando a vida como ama
o entalhador um pedaço de pau
o pescador o seu rio
e o sofredor sua mulher fatal

Hoje com os olhos mais claros
olhando as coisas como as coisas são
Eu me desenho, amor, como se pinta um quadro novo com o brilho e a cor
De todo homem de trinta. . . Trinta moleques que o tempo criou
E muito embora eu nao sinta
Eu sei que eu sou o que eu fui e o que sou

Tenho almoçado e jantado
Tenho tomado café da manhã
Barra pesada não, muito obrigado
Tenho levado uam vida sã
Tenho tomado algumas
E tenho amado uma mesma mulher
Eu tenho andado sem turma
Mas solitário eu sei que nao dá pé. . .