17 de agosto de 2022

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A dayse é incrível. uma sensibilidade linda e um brilho no olho que eu não via há tempos. ela me falou da beleza de ver os amigos envelhecendo e que eu não precisava fazer só uma coisa (dir de foto) se eu era bom em varias coisas.

fiquei com saudade dela e coloquei o nome da minha caminhonete de Dayse.


essa é a Dayse
Sou um evadido. Logo que nasci Fecharam-me em mim, Ah, mas eu fugi. Se a gente se cansa Do mesmo lugar, Do mesmo ser Por que não se cansar? Minha alma procura-me Mas eu ando a monte, Oxalá que ela Nunca me encontre. Ser um é cadeia, Ser eu é não ser. Viverei fugindo Mas vivo a valer. Fernando Pessoa

7 de maio de 2022

benedito jandira filomena e lucy 2011 a mão que aperta o botão que dispara o obturador da canon powershot SX220 HS, envelhecida pelo passar dos anos _ tal qual a mão _ mal sabe, mas captura momento único na história breve da humanidade e da ainda mais breve vida das pessoas que estão envolvidas nos fatos desse relato. a câmera no automático dispara o flash que rasga a noite naquele pequeno salão escuro onde as pessoas pausam sua dança para a pose fotográfica. fosse a câmera desprovida de flash ou por decisão unilateral o fotógrafo tivesse aproveitado o escuro da noite para uma fotografia de longa exposição, o instante teria sido suficiente para distinguir se o “a” _ vogal por sorte, porque os vogais são mais facilmente distinguíveis quando pensamos em instantes _ que toca nesse momento é de alguma música do LP splish splash de roberto carlos comprado em um sebo do centro do rio e levado para a europa nas malas de um dj brasileiro que ao chegar ao destino desistiu de viver de música, ou se é qualquer novo roque português, música mais apropriada ao local da festa, um porão estilo inferninho na cidade de lisboa. jandira e filomena, amigas desde a época do jardim de infância santa maria dos olivais, quando o brasil não passava de uma ideia ainda a ser projetada em seus cérebros de meninas e a se concretizar em constituição carne-óssea na noite deste relato, disputam a atenção do brasileiro benedito. elas ainda não sabem, mas na manhã seguinte se arrependerão desse ralho silencioso em que sempre se metem, sempre que se metem a sairem juntas, quando lhes vier à mente a ideia de que poderiam ter proposto uma brincadeira a três, aquela de denominação francesa, que nunca fizeram, e essa será a grande chance de suas vidas. lucy, vinda de trás, caminha num passo seco, como se nada a abalasse. é a primeira vez que sai de casa depois do término do caso-namoro-noivado que durou nove anos, ela 15 quando começou. desistiu das conversas de amenidades, a vida é complexa demais para se levar com leveza e ali naquele espaço-tempo não há ninguém que parece minimamente disposto a discutir algo mais próximo do sentido da vida do que qual sua banda favorita, me conte o que fará nas férias e como é viver no brasil. bernard já não é mais conhecido pelo apelido de infância. agora sim como benedito nome de santo, se orgulha sem dizer, lembrando da lição aprendida com a avó. a gente só diz orgulho dos outros, o nosso é sentimento calado, a ser sofrido sozinho, dizia ela sempre que o neto merecia esse tipo de escarmento. ele, capoeirista modo angola, um dia virou uma estrela tão perfeita _ que na capoeira é chamada de aú, e aqui nesse relato optou-se pelo uso do termo estrela para facilitar a compreensão de quem está pouco familiarizado com os vocábulos específicos da capoeira _ que chegou-se a cogitar em conversas durante anos que aquela tinha sido a estrela definitiva, e quando o corpo voltou à posição regular suas ideias continuaram de ponta cabeça. seu pai, preocupado com a repentina mudança do filho, levou-o numa mãe de santo que conhecia do trabalho de manutenção de foto-copiadoras, profissão que ela exerceu até que lhe faltassem máquinas para consertar, e passasse a viver inteiramente de seus trabalhos no terreiro. a velha deu um trago num cachimbo puído, colocou a mão na cabeça do menino e de olhos fechados, como ouvindo um sussurro iluminado, disse que ele deveria ir no contrário do mundo, do globo mesmo fez questão de frisar, para reorganizar a cachola, era coisa de polaridade trocada. fez se rebuliço tremendo na casa de benedito, vieram os maiores especialistas dos arrabaldes, e como a dúvida não se resolvia e parecia cada vez mais trazer consigo outras de si, chegavam aos montes outros doutos dispostos a encontrar solução pr’aquela brenha. qual é o contrário do globo, onde mesmo fora dada a estrela, que tipo de projeção cartográfica levaremos em conta? quando o volume da contenda estava tão alto que mal se conseguia distiguir entre palavra e palavreado e as provisões já estavam por acabar devido ao número não esperado de pessoas que fez-se presente, decidiu-se por uma assembleia organizada, com protocolos, votação e o escambau. fato é que numa disputa apertada por sessenta e oito votos a sessenta e quatro ficou decidido ainda que com limitada convicção, que o contrário do mundo era um ponto no meio de um oceano tão longe que ninguém conseguia lembrar o nome, distante 147 léguas da rota de navio mais próxima. a família organizou uma rifa-televisão-aparelho-de-dvd, sonho de consumo uns anos antes quando o país descobrira a pirataria, mas no então já sem prestígio, o pessoal da capoeira organizou duas festas com roda de samba para arrecadar mais uns trocados e o povo da faculdade também algo, que pela pouca relevância se perdeu no esquecimento. foram olhar o preço de alugar um barco pacote completo com piloto, gps e combustível, ou se era melhor pagar um curso e aprender ele mesmo a velejar, talvez fosse mais fácil passar lá de avião e tudo se resolveria. todas as contas eram por demais caras e benedito ainda não tinha feito condição de ir. o rapaz, de cabeça ainda virada, pensava que a resposta estava era na angola. arrumou suas tralhas numa mochila camuflada de seu pai, da época em que ele era da aeronáutica, e partiu para lisboa, aonde se mudaram um par de bons amigos e onde achava que seria mais fácil ajeitar modos de chegar a luanda. o que ninguém desconfiava, era que só de trocar de hemisfério as coisas já ficavam mais alinhadas, aquela prosa de polaridade, inverter as estações num pisco inverno virar verão, frio virar calor, cura de mal do pulmão e da alma. bené, esse era o apelido de infância que com o tempo caiu em desuso, mas que alguns amigos insistem em ainda usar, sentiu ao pisar no chão do aeroporto humberto delgado que algo tinha mudado. era tudo trocado, o passo ou qualquer outro movimento que fazia vinha de um lugar diferente, é como se a cadência dependesse do sentido que a água gira no ralo da pia e agora a cabeça parecia fazer sentido. ele sorriu e o irradiou pra dentro, dando uma alegrada em sua alma calejada pelo mas da desorientação. era a primeira vez que o mundo via aqueles dentes ao mesmo tempo de suas bochecha fazendo covas, desde instantes antes da famigerada estrela na roda de capoeira. era preciso dar boas novas ao povo que ficara no outro continente, o pai dando falta da mochila e fazendo conjecturas para entender o que se sucedera, a mãe parindo um terço sempre que concluía o anterior. benedito caminhava pelas ruas de lisboa, era noite, ele sabia que deveria chegar à rua dos remédios numa tal de alfama que tanto ouvira falar, das travessas cheias de irregularidades, das casinholas que tocam fado lento e triste que escapa pelas fenestras, das feiras de trastes que aconteciam de quando em quando, do cheiro de velhos caminhando em passos miúdos. sabia que estava longe, mesmo que a escuridão o impedisse de ter grandes certezas. um som, que nunca conseguiu distinguir se luso ou brasileiro, saia por uma porta localizada à esquerda do final de uma escada de sessenta e tal degraus, abaixo para quem chega e acima pra quem vai, e benedito sentiu que ali era momento e lugar de estar. entrou, pôs a mochila num canto qualquer e de lá sacou sua câmera com a qual registraria sua volta ao eixo, e enviaria em forma de foto para o email de sua mãe. não parava de pensar na música do gil e fizera toda essa andança olhando pro céu procurando o cruzeiro do sul, achava que estava mais perto já que as coisas lhe pareciam cada vez mais corretas. depois recordou-se das aulas de geografia ou ciência, não sabia então distinguir, que em outro hemisfério veria outras constelações, não lembrava qual procurar, mas sabia era uma estrela das brilhantes. jandira e filomena trocavam palavras ao pé do ouvido, fatos da última semana, planos para o verão que estava por começar. quando viram benedito, alheio àquele sítio frequentando sempre pelos mesmos tipos, uma mescla de acadêmicos lisboetas, intercambistas e um ou outro artista que vivia naquela região, se prestaram logo a puxar assunto, naquela disputa costumaz pra ver quem chamava mais a atenção, como te chamas, de onde és, estás sozinho, o que achas dos meus olhos, gostava de dançar uma música comigo? bené irradiava alegria contida e pediu para que alguma das raparigas lhe sacasse a tal foto, era preciso dar notícias à mãe no brasil. fez se dilema qual apertaria o botão, qual posaria com ele, é bom ressaltar que à época não se fazia costume o dispositivo do selfie e seus bastões, mas o barista do estabelecimento, brasileiro que chegara a lisboa muitos anos antes, e bem vivido na noite, primeiro como dj e agora no bar, identificou perigo e se dispôs a dar o clique e por consequência fim ao impasse. a mão que aperta o botão que dispara o obturador da canon powershot SX220 HS, é de sebastião. lucy volta do lá fora onde fumara uma cigarrilha a pensar na vida. CLIC lucy só perceberá a cena instantes depois, já ao recobrar a visão que perderá momentaneamente por ter suas retinas invadidas pela luz do flash. achará tudo tão banal, quem será esse que se mete com aquelas raparigas sempre fúteis, dia a dia a mesma coisa, aparece alguém novo e é logo elas que tomam a iniciativa, com o mesmo papo vazio de sempre, aquele sorriso falso, aquela disputa infantil e amenidades que só fisgam os desavisados, e pena são todos desavisados. o mundo é muito mais do que aquilo, denso, feito de rachaduras, recomeços em falso, dúvidas cortantes, as pessoas parecem não perceber esse peso e isso a devasta. bené não conseguirá parar de sorrir, meses andando em falso, será hora de transbordar, dançar a alegria que nasce dentro. depois que retorne a ser aquele rapaz metade romântico, metade existencialista e a outra melancólico. lucy salteará-se em fuga de forma tão abrupta, que suas ideias ficarão para trás, pouco mais de segundo e meio. achará que é algum tipo de feitiçaria daquele estrangeiro que sorri demais _ ideia que tirará da cabeça tempos depois por achar que ser tão ameno jamais poderia dominar a arte da magia _ e demorará dias de penar bruto até que perceba a dinâmica do atraso. é preciso andar miúdo para diminuir o sofrimento e paradeza inabalável para se sentir plena. criará uma espécie de ojeriza por benedito, e todas as vezes que se encontrarem pelas ruas de lisboa, virará-lhe logo a cara, ele sem perceber e já de volta ao seu estado original, feliz sem alegria sobeja e encafifado em seus dilemas. numa ocasião já próxima do outono, se cruzarão pela última vez. benedito sentará ao seu lado no elétrico, ela nada poderá fazer, bloqueada por outro passageiro. o par silencioso pelo trajeto, ele escrevendo a últimas palavras de um diário de viagem, ela decifrando aquelas letras miúdas de menesguei. segundo e meio de atraso será suficiente para que na hora que a ficha cair e lucy perceber que está diante da densidade que almeja _ representação perfeita de sua ética pessoal que cobra exatamente o oposto da perfeição _ as botas de benedito tocarão o chão depois do saltar do bonde. ele olhará pela última vez para a cidade antes de dizer adeus lisboa e descer as escadas do metro que o levará ao aeroporto. já as palavras de lucy ecoarão no vazio: ei, você. Victor Dias Aug 14, 2021 · 8 min read