11 de agosto de 2016

o verão vem ao mundo lembrar o bálsamo do êxtase, o benefício do gozo e que os pequenos deuses e desejos são uma mesma coisa: cotidianos.

j h

10 de agosto de 2016

viajarei
não quero riquezas
só ser solto
bicho no mundo

quilombola vida loka
nosso amor dá samba
mas tá mais pra um tango

7 de agosto de 2016





Essas foram as primeiras músicas do Vander Lee que eu ouvi.

Há uma semana num encontro inexplicável Xangai pega o telefone e liga para Vander no viva voz na minha frente e de alguns amigos. Os dois riem muito, contam causos antigos, se saúdam e desligam. Foi a última vez que ouvi sua voz.

Nesse domingo só deu ele.

Perda sem tamanho.

6 de agosto de 2016

Vinda do Oceano Revolto, a Multidão
1
Vinda do oceano revolto, a multidão, chegou suave a mim uma gota,
Sussurrando, eu te amo, antes que um dia eu morra,
Fiz uma longa viagem, para meramente te ver, te tocar,
Pois eu não podia morrer até eu te ver uma vez,
Pois eu temia poder depois te perder.
2
(Agora nos conhecemos, nos vimos, estamos seguros;
Retorne em paz ao oceano, meu amor;
Sou também parte deste oceano, meu amor – nós não estamos tão separados;
Contemple a grande curvatura – a coesão de tudo, como é perfeita!
Mas, quanto a mim, a você, o irresistível mar irá nos separar,
A hora nos carrega, distintos – mas não pode nos carregar assim para sempre;
Não seja impaciente – por um pequeno espaço – Eu te conheço, eu saúdo o ar, o oceano e a terra,
Todo dia, no ocaso, por você, meu amor.)
W.W

5 de agosto de 2016



Hoje faleceu Vander Lee

3 de agosto de 2016



meliór disco
viva  lubrina
suas brumas letras melodia

Correspondencia entre Henry Miller y Anaïs Nin
Anaïs:
Lo único que puedo decir es que estoy loco por ti. Intenté escribirte una carta y no pude. Te escribo constantemente, en mi cabeza, y los días pasan y yo me pregunto lo que pensarás. Espero con impaciencia poder verte. El martes está tan lejano. Y no sólo el martes. Me pregunto cuándo vendrás a pasar la noche, cuándo podré tenerte por un largo rato; me atormenta verte sólo unas pocas horas y luego abandonarte. Cuando te veo, todo lo que quería decirte se esfuma; el tiempo es tan precioso y las palabras tan extrañas. Pero me haces tan feliz, porque puedo hablar contigo. Adoro tu viveza, tu ingenio, tus piernas torneadas, el ardor entre ellas. Sí, Anaïs, quiero desenmascararte. Soy demasiado galante contigo. Quiero mirarte larga y ardientemente, quitarte la ropa, acariciarte, interrogarte. ¿Sabes que apenas te he mirado? hay todavía demasiada santidad adherida a ti. [...]
Anaïs, no sé cómo decirte lo que siento. Vivo en una continua expectativa. Cuando vienes, el tiempo corre como en un sueño. Únicamente cuando te vas me doy cuenta por completo de tu presencia. Y es entonces demasiado tarde. Me paralizas. [...]
Esto es una pequeña borrachera, Anaïs. Me digo a mí mismo: "he aquí a la primera mujer con la que puedo ser absolutamente sincero". Te recuerdo diciendo: "podrías engañarme y no me enteraría". Cuando paseo por los bulevares pienso en eso. No puedo engañarte, y sin embargo me gustaría. Quiero decir que jamás pude ser totalmente leal, no esta en mí eso. Me gustan demasiado las mujeres, o la vida; lo que esto sea, no lo sé. Pero ríete, Anaïs, me gusta oírte reír. Eres la única mujer que ha tenido una sensación de alegría, una prudente tolerancia; ya no pareces incitarme a que te traicione. Te quiero por eso. ¿Cuál es la causa de que hagas eso? ¿El amor? Oh, es hermoso amar y ser libre al mismo tiempo.
No sé lo que espero de ti, pero es algo parecido a un milagro. Voy a exigirte todo, incluso lo imposible, porque lo fomentas. Eres realmente fuerte. Me gustan incluso tus engaños, tu traición. Eso me parece aristocratico. (¿Suena mal "aristocrático" en mi boca?).
Sí, Anaïs, estoy pensando cómo podría traicionarte, pero no puedo. Te quiero. Quiero desnudarte, vulgarizarte un poco. Ah, no sé lo que digo. Estoy un poco ebrio porque no estás aquí conmigo. Me gustaría batir palmas y, voilà. ¡Anais! Quiero poseerte, utilizarte, quiero cogerte, enseñarte cosas. No, no te aprecio. ¡Que dios me perdone! Tal vez quiero incluso humillarte un poco. ¿Por qué? ¿Por que no me arrodillo y te venero? No puedo. Te quiero risueñamente.
¿Te gusta eso?
Querida Anaïs, soy tantas cosas. Tu sólo ves ahora las cosas buenas, o al menos dejas que me crea eso. Quiero tenerte un día entero por lo menos. Quiero viajar contigo, poseerte. No sabes lo insaciable que soy. O cobarde. ¡Y egoísta!
Me he portado bien contigo. Pero te advierto que no soy ningun ángel. Creo sobre todo que estoy un poco ebrio. Te quiero. Ahora me acuesto, es demasiado angustioso permanecer despierto. Te quiero. Soy insaciable. Quiero pedirte que hagas lo imposible. Lo que eso significa, no lo sé. Probablemente tú me lo dirás. Eres más rápida que yo. Amo tu coño, Anaïs, me vuelve loco. ¡Y la manera en que dices mi nombre! Dios mío, es irreal. Escucha, estoy muy borracho. Me duele estar aquí solo. Te necesito. ¿Puedo decirte alguna cosa? Puedo, ¿o no puedo?
Ven rápidamente pues y cógeme. Córrete conmigo. Rodéame con tus piernas. Calientame.
Henry Miller,
Clichy,
21 marzo de 1932.

30 de julho de 2016

https://www.letras.mus.br/dominguinhos/770284/

para os domingos o remédio é dominguinhos
"Para nós o trabalho somente não basta; nós sabemos penar, mas o sonho maior dos meus pais sempre foi um soberbo descanso"

na pagina de luiz felipe flores
misturar os movimentos. estar indo para mais de um lado de cada vez. pontos colaterais. hoje eu vi a minha cidade com outros olhos. como sei fosse a primeira vez. eu vi dois sóis brilhantes no céu. o brilho do nosso sol daqui no inverno e a opacidade do fim de tarde. eu vi as moças na rua e na sorveteria. é preciso conhecer outras cidades pra poder enxergar a sua. com seus defeitos e potências. com seus odores e disparidades. pelos cantos e bordas. serra castanheira taquaril. centro baixo e sapucaí. leste a sete e o oeste selvagem. aqui me encontro me busco e me entronco. fito um bueiro e seus inquilinos roedores. olho nos olhos do morador de rua e divido com ele o cigarro e os trocados. me emociono com a música que fazem aqui homens e mulheres. cidade canção. uma mensagem e um modo de fixá-la em melodias meandrosas de sopros cordas vozes e tambores.



28 de julho de 2016

Carnaval
O carnaval socializa o folião,
que depois volta ao individualismo descontente.
- Carlos Drummond de Andrade, In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.

Conselho
Pedimos conselho para nos certificarmos de que
devemos agir em sentido contrário.

- Carlos Drummond de Andrade, In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.

Geografia
A aula de geografia devia ser dada em viagem permanente.
- Carlos Drummond de Andrade, In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.

Homem
O homem engana a si mesmo muito melhor do que aos outros.
- Carlos Drummond de Andrade, In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.


24 de julho de 2016

memória insuficiente

respiro sigo     el amor ardiente

17 de julho de 2016

a linha    a lenha
o fogo    o tempo
o presente   o fio
a pipa   o vento

sobe embrulha tece roga viaja voa sopra treme
chega leva abre escuta canta cura firma o leme
corta e liga o fio a emenda
a fita o arame o filtro a fenda

fase neutro instala gira
tampa torce acende estaca

Encontro às vezes, na confusão vulgar das minhas gavetas literárias, papéis escritos por mim há dez anos, há quinze anos, há mais anos talvez. E muitos deles me parecem de um estranho; desreconheço-me neles. Houve quem os escrevesse, e fui eu. Senti-os eu, mas foi como em outra vida, de que houvesse agora despertado como de um sono
alheio.
É freqüente eu encontrar coisas escritas por mim quando ainda muito jovem — trechos dos dezessete anos, trechos dos vinte anos. E alguns têm um poder de expressão que me não lembro de poder ter tido nessa altura da vida. Há em certas frases, em vários períodos, de coisas escritas a poucos passos da minha adolescência, que me parecem produto de tal qual sou agora, educado por anos e por coisas. Reconheço que sou o mesmo que era. E, tendo sentido que estou hoje num progresso grande do que fui, pergunto onde está o progresso se então era o mesmo que hoje sou.
Há nisto um mistério que me desvirtua e me oprime. Ainda há dias sofri uma impressão espantosa com um breve escrito do meu passado. Lembro-me perfeitamente de que o meu escrúpulo, pelo menos relativo, pela linguagem data de há poucos anos. Encontrei numa gaveta um escrito meu, muito mais antigo, em que esse mesmo escrúpulo estava
fortemente acentuado. Não me compreendi no passado positivamente. Como avancei para o que já era? Como me conheci hoje o que me desconheci ontem? E tudo se me confunde num labirinto onde, comigo, me extravio de mim.
Devaneio com o pensamento, e estou certo que isto que escrevo, já o escrevi. Recordo. E pergunto ao que em mim
presume do ser se não haverá no platonismo das sensações outra anamnese mais inclinada, outra recordação de uma
vida anterior que seja apenas desta vida…
Meu Deus, meu Deus, a quem assisto? Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?
Afinal deste dia fica o que de ontem ficou e ficará de amanhã: a ânsia insaciável e inúmera de ser sempre o mesmo
e outro.
Do “Livro do Desassossego”

13 de julho de 2016

“Impuro e desfigurante é o olhar da vontade. Só quando nada cobiçamos, só quando o nosso olhar nada mais é senão pura observação, é que a alma das coisas, a sua beleza, se nos revela.”

R.B.

9 de julho de 2016

eu



              imagino


                                   você


com as cores

que mais gosto



pinto

revelo

escrevo

imprimo

animo

curo






8 de julho de 2016

<> Ter a ponta do lápis feita, começar-se pelo meio – pegar a frase em pleno voo, aprender com os pássaros, talvez.

J.P.



5 de julho de 2016


http://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/04/politica/1467642464_246482.html

2 de julho de 2016

"A moça e o moço, quando entre si, passavam-se um embebido olhar, diferente do dos outros; e radiava ém ambos um modo igual, parecido. Eles olhavam um para o outro como os passarinhos ouvidos de repente a cantar, as árvores pé-ante-pé, as nuvens desconcertadas: como do assoprado das cinzas a esplendição das brasas."

1 de julho de 2016


foi a luiza que fez


la plata - AR - 2016

27 de junho de 2016

V.T. Ação de oscilar alguma coisa, de desestabilizar, de bambolear.
Ele conseguiu balancear o coração da garota.
"Eu gosto do absurdo
divino das imagens."
Manoel de Barros
hoje dormi por muitas e muitas horas e fui agraciado com vários sonhos que me mostraram a simplicidade das coisas. quando acordei vi que seria impossível escrever ou mesmo teorizar sobre tudo aquilo. Me sentei na cama com calma , balanç(e)ei a cabeça levemente, como quem mistura o açúcar que está no fundo do copo, mastiguei e engoli tudo. bom dia.

hoje foi aniversário do gil

gil que um dia dei uma abraço nele

nosso grande guru espiritual

filósofo transcendental

nada de mais nada de mal

poeta vorás

astral



uma versão


24 de junho de 2016

23 de junho de 2016

''Cante a canção e não se preocupe! Ela alcançará a pessoa certa no tempo certo. Se não for hoje, será amanhã, se não for nesta sua vida, então em algum outro tempo. Mas ela alcançará, com certeza. Ela sempre encontra a pessoa certa que pode absorvê-la. Simplesmente cante a canção. Não se preocupe com quem ela irá alcançar; toda a sua preocupação deve ser: cantar com totalidade, e isso é tudo. Mais do que isso, não é exigido de ninguém. Não lhe cabe saber se ela será ouvida ou não.
Quando uma flor nasce no meio de uma selva, ela não está preocupada se alguém vai passar por ali, 'para conhecer a linda fragrância que ela está liberando', ela simplesmente libera a fragrância. Se ela alcançar alguém para cheirá-la, ótimo; se ela não alcançar, qual o problema? A flor desabrochou, ela se ofereceu ao universo. Agora fica por conta do universo fazer o que quiser com ela.''
Osho

20 de junho de 2016

um leitor




Deixa que minha mão errante adentre

atrás, na frente, em cima, em baixo, entre
Minha América, minha terra à vista
Reino de paz se um homem só a conquista
Minha mina preciosa, meu império
Feliz de quem penetre o teu mistério
Liberto-me ficando teu escravo
Onde cai minha mão, meu selo gravo
Nudez total: todo prazer provém do corpo
Como a alma sem corpo, sem vestes
Como encadernação vistosa
Feita para iletrados, a mulher se enfeita
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns a que tal graça se consente
É dado lê-la


- mas essa distância é também o que nos impede de estar separados, pois nela reside a condição de todo encontro -
A finalidade de ler não é guardar na memória. Eu esqueço-me do que leio mas encontro-me, ao cair da noite, com ele. O fundamento da minha leitura é a pergunta seguinte:
- Por quanto tempo lês um pequeno período extenso?
- Por um segundo, um minuto, um ano, toda esta noite, ou toda esta vida?
E eu leio pouco, mas infinitamente.
Jodoigne, 25 de Dezembro de 1976 (1 da manhã) - Maria Gabriela Llansol (finita, diário)

18 de junho de 2016

16 de junho de 2016

AMOR E SONO
Como quem ama, desperto,
persegue o corpo da sombra
que conhecera sonhando,
também quem dorme mistura 
mundos na cama e constrói 
a quimera do desejo
com traços de quem amou.
Por isso os gregos disseram
que o amor acalenta o sono,
que o sono alimenta o amor.

A.H.F

15 de junho de 2016

A borboleta, nesta carta, representa o exterior, aquilo que está constantemente se transformando, aquilo que não é real, mas uma ilusão. Por detrás da borboleta está a face da consciência, olhando para dentro, para aquilo que é eterno. O espaço entre os dois olhos abriu-se, revelando o lótus do desenvolvimento espiritual e o sol da consciência que se levanta. Através da ascensão do sol interior, nasce a meditação.

A carta nos lembra de não olhar para fora à procura do que é real, mas olhar antes para dentro de nós mesmos. Quando nos concentramos no mundo exterior, com freqüência nos assaltam os julgamentos -- isto é bom, isto é ruim, isto eu quero, aquilo eu não quero. Tais julgamentos nos mantêm prisioneiros das nossas ilusões, da nossa sonolência, dos nossos velhos hábitos e padrões. 

Abandone sua mente opiniosa e mova-se para dentro. Lá você poderá relaxar no seio da sua própria verdade mais profunda, onde a diferença entre sonhos e realidade já é.

14 de junho de 2016

hoje fui numa palestra do Kristolf Silva. Saí chapado. O cara é cabuloso.




12 de junho de 2016


domingo de noite , dia dos namorados, não caibo em mim. 

a impossibilidade
a inexorabilidade kilométrica da vida

a lua crescente já se pondo a oeste
os limites as vontades
as possibilidades

amar é meditar profundo
reaprender a respirar
inspirar entrar nascer
expirar sair morrer

esvaziar para estar pleno




Dai-me, Senhor, assistência técnica
para eu falar aos namorados do Brasil.
Será que namorado algum escuta alguém?
Adianta falar a namorados?
E será que tenho coisas a dizer-lhes
que eles não saibam, eles que transformam
a sabedoria universal em divino esquecimento?
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa,
quando perdem os olhos
para toda paisagem ,
perdem os ouvidos
para toda melodia
e só vêem, só escutam
melodia e paisagem de sua própria fabricação?
Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados
enquanto namorados. Antes, depois
são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia.
Mas quem foi namorado sabe que outra vez
voltará à sublime invalidez
que é signo de perfeição interior.
Namorado é o ser fora do tempo,
fora de obrigação e CPF,
ISS, IFP, PASEP,INPS.
Os códigos, desarmados, retrocedem
de sua porta, as multas envergonham-se
de alvejá-lo, as guerras, os tratados
internacionais encolhem o rabo
diante dele, em volta dele. O tempo,
afiando sem pausa a sua foice,
espera que o namorado desnamore
para sempre.
Mas nascem todo dia namorados
novos, renovados, inovantes,
e ninguém ganha ou perde essa batalha.
Pois namorar é destino dos humanos,
destino que regula
nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso.
E quem vive, atenção:
cumpra sua obrigação de namorar,
sob pena de viver apenas na aparência.
De ser o seu cadáver itinerante.
De não ser. De estar, e nem estar.
O problema, Senhor, é como aprender, como exercer
a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina,
e vai além de toda universidade.
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe.
E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu,
por obra e graça de sua namorada.
A mulher antes e depois da Bíblia
é pois enciclopédia natural
ciência infusa, inconciente, infensa a testes,
fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento.
Há que aprender com as mulheres
as finezas finíssimas do namoro.
O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre
três vezes ignorante de seu coração
e da maneira de usá-lo.
Só a mulher (como explicar?)
entende certas coisas
que não são para entender. São para aspirar
como essência, ou nem assim. Elas aspiram
o segredo do mundo.
Há homens que se cansam depressa de namorar,
outros que são infiéis à namorada.
Pobre de quem não aprendeu direito,
ai de quem nunca estará maduro para aprender,
triste de quem não merecia, não merece namorar.
Pois namorar não é só juntar duas atrações
no velho estilo ou no moderno estilo,
com arrepios, murmúrios, silêncios,
caminhadas, jantares, gravações,
fins-de-semana, o carro à toda ou a 80,
lancha, piscina, dia-dos-namorados,
foto colorida, filme adoidado,,
rápido motel onde os espelhos
não guardam beijo e alma de ninguém.
Namorar é o sentido absoluto
que se esconde no gesto muito simples,
não intencional, nunca previsto,
e dá ao gesto a cor do amanhecer,
para ficar durando, perdurando,
som de cristal na concha
ou no infinito.
Namorar é além do beijo e da sintaxe,
não depende de estado ou condição.
Ser duplicado, ser complexo,
que em si mesmo se mira e se desdobra,
o namorado, a namorada
não são aquelas mesmas criaturas
que cruzamos na rua.
São outras, são estrelas remotíssimas,
fora de qualquer sistema ou situação.
A limitação terrestre, que os persegue,
tenta cobrar (inveja)
o terrível imposto de passagem:
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer!
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada
na sola dos sapatos..."
Ou senão:
"Desiste! Foge! Esquece!"
E os fracos esquecem. Os tímidos desistem.
Fogem os covardes.
Que importa? A cada hora nascem
outros namorados para a novidade
da antiga experiência.
E inauguram cada manhã
(namoramor)
o velho, velho mundo renovado.


C.D.A.


para medir a saudade um gráfico

11 de junho de 2016

INSTRUÇÕES PARA ESQUIVAR O MAU TEMPO
Paco Urondo
Em primeiro lugar, não se desespere e em caso de agitação não siga as regras que o furacão quererá lhe impor.
Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo.
Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros, os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura.
Não deixe que a estupidez se imponha.
Defenda-se.
Contra a estética, ética.
Esteja sempre atento.
Não lhes bastará empobrecê-lo, e quererão subjugá-lo com sua própria tristeza.
Ria ostensivamente.
Tire sarro: a direita é mal comida.
Será imprescindível jantar juntos a cada dia até que a tormenta passe.
São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes.
Diga para o lado bom dia, por favor e obrigado.
E tomar no cu quando o solicitem de cima.
Dê tudo o que tiver, mas nunca sozinho.
Eles sabem como emboscá-lo na solidão desprevenida de uma tarde.
Lembre que os artistas serão sempre nossos.
E o esquecimento será feroz com o bando de impostores que os acompanha.
Tudo vai ficar bem se você me ouvir.
Sobreviveremos novamente, estamos maduros.
Cuidemos dos garotos, que eles quererão podar.
Só é preciso se munir bem e não amesquinhar amabilidades.
Devemos ter à mão os poemas indispensáveis, o vinho tinto e o violão.
Sorrir aos nossos pais como vacina contra a angústia diária.
Ser piedosos com os amigos.
Não confundir os ingênuos com os traidores.
E, mesmo com estes, ter o perdão fácil quando voltarem com as ilusões acabadas.
Aqui ninguém sobra.
E, isto sim, ser perseverantes e tenazes, escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites.
Ainda sustentados em teimosias se a fé desmoronar.
Nisso, não haverá trégua para ninguém.
A poesia dói nesses filhos da puta.
Paco Urondo (1930 – 1976)

10 de junho de 2016

El tiempo es la sustancia de que estoy hecho. El tiempo es un río que me arrebata, pero yo soy el río; es un tigre que me destroza, pero yo soy el tigre; es un fuego que me consume, pero yo soy el fuego. El mundo, desgraciadamente, es real; yo, desgraciadamente, soy Borges.
J.L.Borges

9 de junho de 2016

6 de junho de 2016

Nosso leite derramado

O leite ferve e derrama-se, quase sempre. Parece uma condenação. É o barulho da efervescência, instantes antes da ebulição. E cai fora, apagando as chamas. Quase matemática.
Minha mãe não havia um santo dia que isso não lhe acontecia. Nos reclamávamos, mas de fato, quase sempre acontecia. Parecia uma condenação. Ela dizia que o leite só estava pronto para beber, se se desligava a fervura justo antes de se derramar.
Hoje, eu pai, quase sempre me acontece. Pareço condenado: a uma memória que está escrita nos meus dias, minha mãe fervendo o leite até o ponto mais crítico, quase sempre a fervura sobe e derrama-se.
Minha mãe ferve o leite: derrama-me. É o barulho da fervura, instantes antes do derrame. É uma condenação.
Eu fervo o leite, meu filho observa: derrama-se. Estou preso a memória inscrita na minha pele, nos pensamentos, nos meus atos.
Depois o leite está quente demais. Então para esfriar-lo mais depressa se passa de xícara em xícara, várias vezes, assoprando o leite que vai pulando de xícara-em-xícara. Esse gesto, barulho, essa cena: é uma memória. Tudo inscrito. Minha mãe fazia, meu pai. Eu faço.
Estamos presos à memória: derrame-nos.
Detenha a fervura justo antes de derramar o leite. Se muito quente, troquei o leite de xícara em xícara, assoprando entre dentes: isto é uma memória, tudo inscrito.
Derramo-me.


*entreduaslinguas