15 de janeiro de 2017

vasculho caçambas
reviro lixeiras
em busca de algo brilhante para minha fantasia

13 de janeiro de 2017

ME CURAR DE MIM
Letra e música: Flaira
Sou a maldade em crise
Tendo que reconhecer
As fraquezas de um lado
Que nem todo mundo vê
Fiz em mim uma faxina e
Encontrei no meu umbigo
O meu próprio inimigo
Que adoece na rotina
Eu quero me curar de mim
Quero me curar de mim
Quero me curar de mim
O ser humano é esquisito
Armadilha de si mesmo
Fala de amor bonito
E aponta o erro alheio
Vim ao mundo em um só corpo
Esse de um metro e sessenta
Devo a ele estar atenta
Não posso mudar o outro
Eu quero me curar de mim
Quero me curar de mim
Quero me curar de mim
Vou pequena e pianinho
Fazer minhas orações
Eu me rendo da vaidade
Que destrói as relações
Pra me encher do que importa
Preciso me esvaziar
Minhas feras encarar
Me reconhecer hipócrita
Sou má, sou mentirosa
Vaidosa e invejosa
Sou mesquinha, grão de areia
Boba e preconceituosa
Sou carente, amostrada
Dou sorrisos, sou corrupta
Malandra, fofoqueira
Moralista, interesseira
E dói, dói, dói me expor assim
dói, dói, dói, despir-se assim.
Mas se eu não tiver coragem
Pra enfrentar os meus defeitos
De que forma, de que jeito,
Eu vou me curar de mim?
Se é que essa cura há de existir
Não sei. Só sei que a busco em mim
Só sei que a busco
Os Três Mal-Amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

11 de janeiro de 2017

http://www.revistaserrote.com.br/2017/01/o-escritor-como-leitor-por-ricardo-piglia/
TIRAR FOTOS...
Tirar fotos
Bater fotos é uma ação no tempo na qual alguma coisa é arrancada de seu próprio tempo e transferida para um tipo diferente de duração.
Em geral se acredita que o que é capturado nesse ato está DIANTE Da câmera.
Mas isso não é verdade.
Tirar fotos é uma ação em duas direções:
para a frente
e para trás.
Sim, tirar fotos também "sai pela culatra".
Essa comparação nem é tão capenga.
Assim como o caçador ergue sua espingarda, faz pontaria no cervo a sua frente, puxa o gatilho e, quando a bala sai do cano, é jogado para trás pelo coice da arma, o fotógrafo, analogamente, é jogado para trás, para si próprio, quando aperta o botão da câmera.
Uma fotografia é sempre uma imagem dupla, mostrando, à primeira vista, seu objeto, mas, num segundo olhar - mais ou menos visível, "escondido atrás dela", por assim dizer -, o "contracampo": a imagem do fotógrafo em ação.
Porém, assim como o caçador não é atingido pela bala, mas apenas sente o coice do disparo, essa contraimagem contida em toda fotografia tampouco é capturada pelas lentes.
(Embora de algum modo permaneça inextricavelmente na imagem, como uma impressão invisível do fotógrafo, que até chega a ser revelada na química da câmara escura....)
O que é então o coice do fotógrafo? Como sentimos seu impacto? Como ele afeta o objeto, e que vestígio dele aparece na fotografia?
Em alemão, há uma palavra muito reveladora para esse fenômeno, uma palavra conhecida em uma multiplicidade de contextos: EINSTELLUNG.
Significa a atitude com que alguém aborda alguma coisa psicológica ou eticamente, isto é, o modo de você entrar em sintonia e então "absorver" a coisa.
Mas Einstellung é também um termo de fotografia e cinema, que significa tanto o take (uma tomada específica e seu enquadramento) quanto o modo como a câmera é ajustada, em termos de abertura e da exposição mediante as quais o homem da câmera "tira" a foto.
Não é mera coincidência que (pelo menos em alemão) a mesma palavra defina tanto a atitude como a imagem assim produzida. Cada foto, de fato, reflete a atitude como a atitude de quem a tirou.
Assim, o coice do atirador corresponde ao retrato do fotógrafo que é mais ou menos visível "por trás da foto", só que, em vez de captar as feições dele (ou dela), define a ATITUDE do fotógrafo em relação ao que quer que esteja a sua frente.
A câmera, portanto, é um olho capaz de olhar para frente e para trás ao mesmo tempo. Para a frente, ela de fato "tira uma foto", para trás, registra uma vaga sombra, uma espécie de raio X da mente do fotógrafo, ao olhar direto através do olho dele (ou dela) para o fundo de sua alma.
Sim, para a frente, a câmera vê seu objeto, para trás vê o desejo de captar esse objeto específico em primeiro lugar, mostrando assim simultaneamente AS COISAS e O DESEJO por elas.
A cada segundo, em algum lugar do mundo, alguém abre um obturador apreendendo algo porque ele (ou ela) é fascinado por uma certa LUZ
ou ROSTO
ou GESTO
ou PAISAGEM
ou ESTADO DE ÂNIMO
ou simplesmente porque uma SITUAÇÃO quer ser apreendida.
Os objetos da fotografia, obviamente, são incontáveis, multiplicados ao infinito a cada segundo que passa. Ainda assim, cada momento em que uma foto é batida, em qualquer lugar do mundo em que ele ocorra , é um evento único, sua singularidade garantida pelo incessante progresso do tempo. (Até mesmo os zilhões de instantâneos de turistas naquelas "ocasiões para fotos" especialmente indicadas são, cada um deles, um evento que só ocorre uma vez. Mesmo em seus momentos mais triviais e corriqueiros, o tempo permanece irreversível.)
O que é espantoso em toda fotografia não é tanto que ela "congela o tempo" - como as pessoas geralmente acham-, mas sim que, ao contrário, o tempo prove de novo, a cada foto, O QUANTO é irrefreável e perpétuo.
Cada fotografia é um memento mori.
Cada fotografia fala sobre a vida e a morte.
Cada "imagem capturada" tem uma aura de sacralidade, transcende o olho do fotógrafo e excede toda capacidade humana: cada foto é também um ato de criação fora do tempo, da perspectiva de Deus, por assim dizer, relembrando aquele mandamento cada vez mais esquecido: "Não modelarás imagens".
Tirar fotos (melhor: ter o incrível privilégio de tirar fotos) é "bom demais para ser verdade". Mas do mesmo modo é verdade demais para ser bom.
Tirar fotos é sempre um ato de presunção e rebelião.
Tirar fotos, consequentemente, instila ganância e, com muito menos frequência, modéstia.
(É por essa razão que a atitude de jactância é muito mais comum em fotografia do que a atitude de humildade.)
Se, assim, a câmera atira em duas direções, para frente e para trás, fundindo ambas as imagens, de modo que o "atrás" se dissolve na "frente", ela permite ao fotógrafo, no momento exato do disparo, estar na frente com os objetos, em vez de separado deles. Através do "visor" o observador pode dar um passo para fora de sua concha para estar "do outro lado" do mundo, e com isso recordar melhor, compreender melhor, ver melhor, ouvir melhor e amar mais profundamente. (E, infelizmente, desprezar mais profundamente também, o "mau-olhado", afinal, existe.)
Em cada fotografia, há o início de uma história que começa com "Era uma vez...". Cada fotografia é o primeiro fotograma de um filme. Com frequência o momento seguinte, o segundo disparo alguns passos depois, isto é, a imagem subsequente, já está traçando o progresso dessa história em seu próprio espaço e em seu próprio tempo.
Assim, ao longo dos anos, pelo menos para mim, tirar fotos se converteu cada vez mais em "traçar histórias".
A cada segunda imagem, a "montagem" já está em curso, e a história que se anunciou na primeira imagem está agora seguindo sua própria direção, definindo seu senso de espaço e antevendo seu senso de tempo. As vezes novos atores aparecem, às vezes o suposto protagonista revela-se apenas um coadjuvante, e às vezes não há ninguém no centro, apenas uma paisagem.
Acredito firmemente no poder de construir histórias que as paisagens têm. Há paisagens, sejam cidades, sejam desertos, montanhas ou costas, que literalmente gritam pedindo que "SUAS HISTÓRIAS" sejam contadas.
Elas se evocam, chegam a fazê-las acontecer. Paisagens podem ser, elas mesmas, personagens principais, e as pessoas dentro delas, as figurantes.
Acredito com igual firmeza no poder narrativo dos objetos. Um jornal aberto, largado casualmente no canto de uma fotografia, pode contar tanta coisa!
Um cartaz no fundo do quadro!
O carro enferrujado projetando-se para fora de um dos lados da foto!
Uma cadeira!
Disposta ali de tal maneira que alguém devia estar sentado nela até poucos momentos atrás!
Um livro aberto sobre uma mesa com metade do título legível!
O maço de cigarros vazio na calçada!
A xícara de café com a colherinha dentro!
Nas fotos, COISAS podem ser serenas ou tristes, até mesmo cômicas ou trágicas.
Sem falar de roupas!
Em muitas fotos, elas são a parte mais interessante.
A meia baixada no tornozelo de uma criança!
O colarinho virado pra cima de um homem que só vemos de costas!
Manchas de suor!
Dobras!
Cerzidos e remendos!
Botões faltantes!
Uma camisa engomada!
A vida de uma mulher resumida toda em seu vestido, sua vida inteira revelando-se nas dores de um vestido!
O drama de uma pessoa expresso por um casaco!
Roupas indicam a temperatura de uma imagem, a data, a hora do dia, tempo de guerra ou tempo de paz.
E tudo isso aparece diante da Câmera só UMA VEZ, a cada fotografia converte essa uma vez numa eternidade.
Só ATRAVÉS da imagem capturada o tempo se torna visível, e no lapso do tempo ENTRE a primeira tomada e a segunda emerge a história, uma história que, não fosse por essas imagens, teria caído no esquecimento pela mesma eternidade.
Assim como queremos desaparecer no seio do mundo e no seio das coisas no exato momento de tirar a foto, o mundo e as coisas agora saltam da fotografia diante do observador, buscando sobreviver e durar ali.
É "ALI" que as histórias ganham vida, no olho do observador.
RETIRADO DO LIVRO "ONCE" DE WIM WENDERS.

9 de janeiro de 2017



é nois na faixa. respeita os pedestre porra.

5 de janeiro de 2017


gif de cena do filme porto de santos de Aluysio Raulino

2 de janeiro de 2017

"Sim, somos todas trabalhadoras, mas o suor do nosso ofício não tem a condenação bíblica do trabalho. Nosso suor é prazer e luta, alegria e esperança. Por isso, hoje estamos aqui."

discurso de posse de Cida Falabela.

28 de dezembro de 2016

27 de dezembro de 2016

23 de dezembro de 2016

O homem que muda de endereço percebe que não morava na cidade: morava em uma pequena parte dela. O que é que unifica a cidade em torno de seus habitantes parciais? O que é que faz de São Paulo, por exemplo, uma cidade compartilhada, com características comuns entre todos os seus 12 milhões de habitantes? É o imaginário urbano. A música, a literatura, a poesia.
Não só do cotidiano banal se alimenta a existência do homem comum. A cidade que o habita não é somente a dos pequenos circuitos do dia-a-dia; muito além desses, a cidade tem uma história. Tem um passado do qual resultou uma linguagem própria, ainda que impossível de sintetizar. Do ponto de vista do homem comum, que cidade é mais real: a das ruas, praças e prédios que ele percorre e vê todos os dias ou a cidade inconsciente que vive nele sem que ele perceba?
O homem comum não ganha transcendência por si só. Para se perceber como universal, cidadão de um mundo muito maior do que o circuito de quarteirões que percorre todo dia, ele se apropria de alguma identidade através da palavra dos poetas e dos cantores populares, que fazem sua “mais completa tradução” (Caetano Veloso). Só eles permitem que o inconsciente da cidade e o de seus habitantes infames (o que significa: sem fama) ganhem voz, contorno, imagem.
Existe uma cidade recalcada, sim. Cidade das histórias que ninguém contou ou que ficaram esquecidas. Cidade das casas demolidas, da memória destruída, das referências perdidas, evocadas pelos enigmáticos nomes dos lugares: Consolação, Liberdade, Paraíso. Ladeira da Memória. Largo da Pólvora, Largo da Batata. A cidade recalcada é a história calada de suas populações: das migrações, das lutas cotidianas, dos conflitos políticos, greves, passeatas, manifestações permitidas ou reprimidas.
Uma cidade esquecida, tanto quanto são esquecidos seus habitantes infames – homens sem publicidade, cidadãos sem fama. A cidade recalcada guarda o segredo de alguns banhos de sangue, injustiças, sofrimentos solitários e coletivos. E também de alguns dias lindos, algumas vitórias felizes, festas coletivas, momentos de distensão e de festa.
Os poetas, os cantores que amam a cidade, são responsáveis pela criação do espaço imaginário onde podemos conviver em paz.
Quando eu morrer quero ficar, / Não contem aos meus inimigos, / Sepultado na minha cidade, / Saudade. // Meus pés enterrem na rua Aurora, / no Paissandu deixem meu sexo, / Na Lopes Chaves a cabeça / Esqueçam. // No Pátio do Colégio afundem / O meu coração paulistano: / Um coração vivo e um defunto / Bem juntos. // Escondam no Correio o ouvido / Direito, o esquerdo nos Telégrafos, / Quero saber da vida alheia, / Sereia. / / O nariz guardem nos rosais, / A língua no alto do Ipiranga / Para cantar a liberdade. / Saudade… // Os olhos no Jaraguá / Assistirão ao que há de vir, / O joelho na Universidade, / Saudade … // As mãos atirem por aí, / Que desvivam como viveram, / As tripas atirem pro Diabo, / Que o espírito será de Deus. / Adeus. (Mário De Andrade,Lira paulistana)
Mário de Andrade enumera os bairros (hoje antigos) de São Paulo por onde seu corpo (isto é, sua memória) deve se espalhar depois de sua morte. Bela maneira de unificar a cidade, de guardá-la na linguagem como um grande corpo querido, o corpo urbano misturado ao corpo do poeta.
Mistura que nem sempre é tão doce quanto a do poema Lira paulistana. A cidade também pode contaminar o corpo, que adoece com os males urbanos.
A cidade perfura / o corpo / até a medula. // Contamina os ossos / com seus crimes. / Bica o fígado. / pesa sobre os rins. / Imprime seu labirinto de cinzas / na árvore dos pulmões. / A cidade finca raízes / no espaço das clavículas. Esta cidade: minha cela. / Habita em mim / sem que eu habite nela. (Donizete Galvão, A cidade no corpo)
Nas ruas ladeadas por imensos outdoors, quem tem nome, quem tem existência pública, são as marcas – não os homens. As marcas mudam todas as semanas, mas isso não faz diferença – seu apelo é sempre o mesmo. Elas apelam para que o homem comum esqueça a dimensão pública de sua existência e marque presença pelas roupas que veste, pelo carro que dirige, pela cerveja que bebe, pelo cigarro, pelo tênis, pelo shopping que ele frequenta. Sendo assim, o homem comum mal existe: ou ele desaparece sob as marcas que o tornam igual a todos os consumidores ou sente-se invisível porque não pode comprá-las.
Se o cidadão anônimo, testemunha da existência da cidade que vive no inconsciente de seus habitantes, não tem existência pública, onde se manifesta a cidade que o tempo e a “força da grana que ergue e destrói coisas belas” (Caetano Veloso) soterraram? E vice-versa: se a cidade só existe plenamente no esquecimento do homem comum, em que espelho ele há de reconhecer seu rosto, seu passado, sua discreta presença no mundo?
Beco que cantei num dístico / Cheio de elipses mentais, / Beco das minhas tristezas, / Das minhas perplexidades / (Mas também do meus amores, / Dos meus beijos, dos meus sonhos), / Adeus, para nunca mais! // Vão demolir esta casa. / Mas meu quarto vai ficar, / Não como forma imperfeita / Neste mundo de aparências: / Vai ficar na eternidade, / Com seus livros, com seus quadros, / Intacto, suspenso no ar! (Manuel Bandeira, Canção do beco)
As cidades são o reino da fugacidade. Tudo passa depressa demais, corroendo as representações imaginárias da continuidade da existência. Contra o sentimento angustiante da transitoriedade, os homens dispõem de dois recursos: de um lado há os que apostam na eternidade de Deus. De outro, os que buscam deter o instante fugaz na criação estética.
O poema de Manuel Bandeira canta o desaparecimento de um cenário afetivo, capítulo da história do autor. Mas ao cantar a destruição do beco, Bandeira o eterniza na linguagem. Faz o itinerário do beco à casa e da casa ao quarto, espaço do amor e da intimidade do poeta.
Mas não nos enganemos: o poeta não é o homem comum. É quem lhe dá existência simbólica, existência em palavras e em memória. Sem o poeta, quem atestaria a existência dos anônimos de todas as multidões urbanas? Quem daria voz e significado a essas “vidas infames”, passageiras, insignificantes? A poesia moderna canta a existência do homem comum. É poesia das coisas, dos instantes fugidios, da transitoriedade e da imanência. Nostalgia do passado recentíssimo, pois na cidade as coisas duram menos que a biografia dos seus habitantes.
Refiro-me à cidade como espelho fragmentado, que devolve ao homem comum um pouco de sua identidade e de sua memória. Mas a cidade veloz, atordoante, inquieta e semiconsciente de si mesma é também aquela que permite ao seu habitante… esquecer-se. No tumulto das ruas, o homem comum experimenta a possibilidade de libertar-se um pouco das lembranças que o prendem a si mesmo e viver a vida como se fosse um outro.
O excesso de memória pode ser um fardo. O homem urbano, que vê a cidade ser destruída e reconstruída todos os dias, que perde sua cidade e com isso perde fragmentos do espelho onde tenta se reconhecer, estará condenado a lembrar, a rememorar e a ter saudades? Às vezes, o esquecimento pode ser uma bênção. A versão mais contemporânea da cidade talvez seja esta: é o espaço onde o homem obtém a suprema graça de se esquecer e de se perder. É na cidade que o homem comum pode se entregar ao fluxo dos dias, desapegado de si. O poeta e seus amigos, expulsos do beco, da casa demolida, da “saudosa maloca”, foram dormir “na grama dos jardins” (Adoniran Barbosa) – e cantam não para lembrar-se, mas para esquecer. Se a cidade é a casa do homem comum, seus verdadeiros proprietários são os que vivem ao desabrigo; são os mais insignificantes dos homens comuns: os que sobraram, que a cidade não abrigou.
Voltemos a nosso cidadão comum que mudou de endereço. Pode ter acontecido algo bem pior: o homem perdeu o emprego, o senhorio aumentou o aluguel, na casa da sogra não tinha lugar para a família toda, e ele foi viver num barraco, na favela. Mas um dia a favela também foi despejada do último pedaço da cidade que ainda acolhia, bem ou mal, os que sobraram.
Tomo a liberdade de, em vez de um poema, inserir aqui um samba.
Quando o oficial de justiça chegou / lá na favela / e, contra seu desejo, / entregou a seu Narciso / um aviso, uma ordem de despejo. // Assim dizia a petição: / dentro de dez dias eu quero a favela vazia / e os barracos todos no chão. // Ô ô ô ô ô meu senhor, / é uma ordem superior. // Não tem nada não, seu doutor / não tem nada não. / Amanhã mesmo, vou deixar meu barracão / pra não ouvir o ronco do trator. / Pra mim, não tem problema / em qualquer canto eu me arrumo / de qualquer jeito me ajeito. / Depois, o que eu tenho é tão pouco! / minha mudança é tão pequena / que cabe no bolso de trás. / Mas essa gente aí, como é que faz? (Adoniran Barbosa, Ordem de despejo)
Nosso homem comum, despejado da favela, ainda tentou viver em um edifício abandonado, onde há muitos anos não mora ninguém. O dono nunca pagou o IPTU, nunca fez uso do prédio, esperou a especulação imobiliária valorizá-lo para vender bem. Quando viu sua propriedade ocupada, o dono do prédio entrou na justiça e conseguiu expulsar os moradores. Foi o último capítulo da história desse nosso semelhante, o homem urbano comum: virou um resto, uma sobra da cidade, um morador de rua.
A invenção do criminoso (2010). Em Agosto de 2010 seis homens foram presos em Belo Horizonte acusados do crime de formação de quadrilha. Seu delito, enquanto “quadrilha”, foi inédito nessa categoria: eles eram pixadores e integravam o grupo conhecido como os Piores de Belô. A sequência de stencils revela a imagem publicada nos jornais à época da prisão, construída camada a camada. A acusação de formação de quadrilha para praticantes da pixação é uma estratégia que segue a lógica de criminalizar determinados sujeitos sociais. Neste caso, um crime de “menor potencial ofensivo” (punido com medidas alternativas) é agravado por um crime comum. O caso foi julgado em Novembro de 2014, e culminou com a condenação de três dos integrantes do grupo a penas de até 2 anos e 8 meses, depois de terem ficado 117 dias presos em prisão preventiva.
“Seu Narciso”, de Adoniran, pergunta pelos companheiros de favela: “Mas essa gente aí, como é que faz?”
Para ele não tem problema, mas ele se preocupa com os outros. Será que a solução para o problema dos que sobraram, na cidade privatizada, é só deles? Ou será um problema da cidade toda, portanto um problema nosso? A solidariedade não é o contrário do interesse individual. Não será nosso interesse viver em uma cidade que não nos envergonhe?
Pensar em estratégias para abrigar com dignidade estes que sobraram, que ficaram sem lugar na cidade, também é pensar em nós, os que a cidade trata bem. Afinal, por que nos reconhecer em uma cidade onde alguns são cidadãos, outros são sobras? Não sei responder à pergunta sobre como viver junto, a não ser com uma outra pergunta: em que tipo de cidade queremos viver?
Maria Rita Kehl

21 de dezembro de 2016


Valeu 2016.
Aprendemos muito juntos no rolê.
Feliz ano novo.



sobre o dia mais longo do ano

evém o verão

20 de dezembro de 2016

1 de dezembro de 2016

30 de novembro de 2016

14 de novembro de 2016

7 de novembro de 2016

pra aproximar-se é preciso se afastar

só se debruça dando de ombros

20 de outubro de 2016

O que eu sei
Sei poucas coisas sei que ler
é uma coreografia
que concentrar-se é distrair-se
sei que primeiro se ama um nome sei
que o que se ama no amor é o nome do amor
sei poucas coisas esqueço rápido as coisas
que sei sei que esquecer é musical
sei que o que aprendi do mar não foi o mar
que só a morte ensina o que ela ensina
sei que é um mundo de medo de vizinhança
de sono de animais de medo
sei que as forças do convívio sobrevivem no tempo
apagando-se porém
sei que a desistência resiste
que esperar é violento
sei que a intimidade é o nome que se dá
a uma infinita distância
sei poucas coisas. *
Ana Martins Marques

10 de outubro de 2016

tô orgulhoso de mim
peguei um bicho de pé

8 de outubro de 2016

6 de outubro de 2016

5 de outubro de 2016

Ama, bebe
E cala. O mais é nada.
“Odes”, 03.11.1923, Ricardo Reis

F.P.

4 de outubro de 2016

Algo se move
Se movimenta 
Por entre as pedras 
Algo corrente
Fio d'água 
Algo que aflora
Fazendo surgir um outro espaço
Algo alga
Numa dança aquática
Algo mole
Gelatina no pirex
Algo que filtra
Algo serpentino
Algo que vaza
Em direção à superfície
Algo novo
Algo surpresa
Aparecendo com vontade
Algo na direção da luz

Jorge Salomão

28 de setembro de 2016

Divagar

Essa palavra tem a função morfológica de verbo, e seu significado é de “imaginar”, “fantasiar” ou até mesmo “devanear”. Ou seja, quando uma pessoa está “voando nos pensamentos” podemos dizer que ela está “divagando”. É muito comum também o uso desta palavra quando a pessoa começa a se perder em sua fala e fugir do assunto. Como é um verbo, muitas vezes “divagar” será flexionado conforme o tempo, modo, voz, pessoa ou número. Veja alguns exemplos para entender melhor:

27 de setembro de 2016


                                    ( , )
O MEDO DE SER LIVRE    E    O MEDO DE NÃO SER LIVRE

26 de setembro de 2016

http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FMarilena-Chaui-Liberdade-e-afastar-as-paixoes-tristes-%2F4%2F36877

24 de setembro de 2016

“Só outro silêncio. O senhor sabe o que o silêncio é? É a
gente mesmo, demais.”

J G R

19 de setembro de 2016

"II
Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade. . .
É a eternidade.
És tu.
III
Não digas onde acaba o dia.
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a Terra,
Onde termina o céu.
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde é Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa, completamente silencioso.
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar.
IV
Adormece o teu corpo com a música da vida.
Encanta-te.
Esquece-te.
Tem por volúpia a dispersão.
Não queiras ser tu.
Queira ser a alma infinita de tudo.
Troca o teu curto sonho humano
Pelo sonho imortal.
O único.
Vence a miséria de ter medo.
Troca-te pelo Desconhecido.
Não vês, então, que ele é maior?
Não vês que ele não tem fim?
Não vês que ele és tu mesmo?
Tu que andas esquecido de ti?"
Cânticos, Cecília Meireles.

18 de setembro de 2016

Anotação_Wislawa Szymborska
A vida - única possibilidade
para se cobrir de folhas,
tomar fôlego na areia,
voar com asas;
ser um cão
ou acariciar seu pelo quente;
diferenciar a dor
de tudo que não é ela;
imiscuir-se nos acontecimentos,
perder-se nas paisagens, procurar o menor dentre os erros.
ocasião excepcional
para lembrar por um momento
do que se falava junto a lâmpada apagada;
e uma vez pelo menos
tropeçar numa pedra,
molhar-se em alguma chuva,
perder chaves na grama
e seguir com a vista uma fagulha no vento;
e incessantemente não saber algo de importante.

12 de setembro de 2016

a estrada
a chuva
o tempo de um anoitecer e suas cores

sede de viver tudo
molhar o corpo
se deitar na relva
regar as flores do colo do meu amor

27 de agosto de 2016

25 de agosto de 2016

24 de agosto de 2016

Urso

O urso, frequentemente encontrado em brasões, simboliza força e destreza. É um animal feroz que demonstra essa característica especialmente quando age em defesa da sua família. No Norte da Europa, ele - e não o leão - é o rei dos animais.
A figura do urso, todavia, se contrasta com a ideia dócil do animal brincalhão e que é atraído pelo mel. Ele demonstra evolução, mas também regressão quando se mostra um animal agressivo.

Espiritual

O urso é considerado sagrado em muitas culturas, à medida que se relacionada com divindades ligadas à guerra, tal como a deusa Diana, ou Ártemis, para os gregos.

Xamanismo

O urso é dos animais de mais relevo dentre as práticas xamãs, onde é uma referência da medicina e cura.
Os cristais - que são associados a esse mamífero - além de transmitir boas vibrações, têm a capacidade de curar. Os cristais associam-se aos ursos em virtude de serem encontrados nas cavernas em que os mesmos hibernam.

Tatuagem

A tatuagem do urso carrega a simbologia desse animal que se sobressai entre muitos e é mais frequente entre o gênero masculino, especialmente em decorrência da associação com a força.

Sonhos

Para o psicanalista Jung, o urso representa o lado maléfico do nosso inconsciente. Assim, popularmente é dito que sonhar com ursos é um prenúncio de perseguição por pessoas que não querem o nosso bem e com as quais temos de ter cuidado.

23 de agosto de 2016

Sabe o que eu quero de verdade? Jamais perder a sensibilidade, mesmo que as vezes ela arranhe um pouco a alma. Porque sem ela não poderia sentir a mim mesma."

C.L.

22 de agosto de 2016

aceita
e agradece

só preciso de amor
e um pouco de fita isolante

21 de agosto de 2016



o tremendão

19 de agosto de 2016

http://periodicos.ufsm.br/revislav/article/view/22442/pdf
AMAZONA
(Luiz Caldas)

No igarapé piscina do mar
Pra se bronzear,
Pegar cor de canela
Amazonas, tem indio caboclo moreno
Tem india cabocla morena
Que é tão linda
Que faz doer
Eu fiz amor no igarapé
Numa boa, água boa
Amazonas, tem indio caboclo moreno
Tem india cabocla morena
Que é tão linda
Que faz doer
Quando eu voltar ao igarapé
Tamba, tajá, macuxi menina mulher
Menina mulher
http://www.papodehomem.com.br/nao-era-de-submissao-que-ela-gostava-no-sexo?utm_content=bufferd3503&utm_medium=social&utm_source=facebook.com&utm_campaign=buffer

http://www.sanchezlab.com/pdfs/Sanchezetal2012PSPB.pdf

17 de agosto de 2016



amortecer
a morte
amo te
amor teço
adormeço
a dor
a dor meço

sou grato de poder amar uma mulher
aprender o que se tem a ensinar
ver sentir poder tocar

14 de agosto de 2016