6 de junho de 2009

e como li

há uma diferença entre aquilo que o cineasta ou o operador de câmera vê e aquilo que é filmado. Essa diferença tem nome: cinema. Ela tem a ver com o fato inalterável de que a máquina cinematográfica registra, à sua maneira, a cena que se desenvolve diante dela. Inscrição verdadeira: é preciso uma câmera (quero dizer: todo aparelho maquínico que a acompanha, inclusive a película) e um ou vários corpos, uma ou várias coisas, uma ou várias luzes, para que haja registro. Mas esse registro é uma tradução do mundo da experiência sensível na linguagem de uma máquina. Primeira variação: a câmera substitui nosso olhar binocular por um olhar monocular. Além do mais esse olho único da objetiva não funciona como o nosso, ele obedece às leis da ótica de manneira bem mais rígida (é uma máquina). Segunda variação, esta de peso: esse olhar ciclópico é enquadrado. O quadro evidentemente limita o campo de visão. Fabrica o in e o off, articulação fundamental do cinema (mais que da fotografia, que tembém é enquadrada, pelo fato de que o registro do movimento dramatiza o quadro). Dessa maneira, o quadro dá acesso a uma escrituda do visível e do invisível. Emfim, terceira variação, a menos perceptível, a mais denegada, a gravação é não apenas descontínua, mas também regularmente medida: 24 ou 25 fotogramas por segundo. Toda coisa filmada passa por uma peneira de espaço, tempo e medida que a transforma.

jean-louis comolli
ver e poder
editora ufmg, 2008
p. 233

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