30 de junho de 2017


Sob uma estrela pequenina
Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.
Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco de minuetos.
Me desculpem a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.
Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostre magnanimidade.
Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.
Me desculpe tudo, por não estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.
Sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgues má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.



http://liricoleminski.blogspot.com.br/

20 de junho de 2017

vontade de fumar

arranco os fios da barba comprida


19 de junho de 2017

ontem me deitei cansado e no silêncio do quarto ouvi um som de tambor

achei que era da cabeça
mas era o coração

13 de junho de 2017

a moto como divã

a pista como analista guia

pilotagem como terapia


posturas de yoga em velocidade de cruzeiro



um novo hábito pra incentivar a cinefilia

12 de junho de 2017

"Não há senão viver e cada um vive e morre conforme pode. O resto são frases com que disfarças o medo"
"O pobre de pedir", de Raul Brandão

6 de junho de 2017

1.The wound is the place where the light enters you

https://truththeory.com/2017/06/01/25-eye-opening-rumi-quotes-will-teach-trust/?utm_source=Meditation+Masters

30 de maio de 2017

arrumar a casa
ligar a vitrola
por fora as coisas
inventar seu devido lugar
e que não precisa mais

29 de maio de 2017

despacito

21 de maio de 2017


Queridos amigos,
Escrever é sublime. Não escrevam por qualquer impulso tolo. Pensem que escrever é tocar piano. Uma delicada e bela canção ao piano. Clair de Lune. Que seus dedos dançam levemente sobre as teclas. Letras. Teclas de letras, que você está rasurando o mundo com suas palavras. Dê preferência ao alegre e ao carinho, as teclas sentem tudo. A tristeza e a reflexão também carecem de leveza. Não violente as teclas, elas responderão. E lembre-se: as pessoas lerão suas mensagens em horas quaisquer, podendo estar sob repouso na cama ou na loucura de um trem que faz a curva. A leitura move. Nossas palavras não tem mais limites na hiperesfera, na verdade nunca tiveram, mas agora ela saltam aos seus olhos todos os dias, no bichinho de estimação na rede, a balançar conosco.
Rafael Fares
22 h

20 de maio de 2017

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.
– Carlos Drummond de Andrade, em “Claro enigma”. 1951.

10 de maio de 2017

Ouve-me, ouve meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Quando digo “águas abundantes” estou falando da força do corpo nas águas do mundo. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio.
In : Água Viva - Clarice Lispector

7 de maio de 2017

Antimanifiesto del centenario del cine


por Jonas Mekas
Como bien sabemos, Dios creó la Tierra y todo en ella. Y pensó que todo era magnífico. Todos los poetas y músicos cantaban y celebraban la creación, todo estaba bien. Pero realmente no era así. Faltaba algo. Así que hace 100 años, Dios se decidió a crear la cámara de cine. Y lo hizo. Entonces creó a un cineasta y le dijo: “Aquí tienes un instrumento llamado cámara de cine. Sal a filmar y celebra la belleza de la creación y los sueños del espíritu humano, diviértete”.
Pero al diablo no le gustó eso. Así que puso una bolsa con dinero adelante de la cámara y le dijo al cineasta: “¿Por qué quieres celebrar la belleza del mundo y su espíritu si puedes hacer dinero con este instrumento?”. Y, créanlo o no, todos los cineastas fueron detrás de la bolsa de dinero. Entonces el Señor se dió cuenta que había cometido un error. Así que, unos 25 años después, para corregir su error, Dios creó a los cineastas independientes de vanguardia y les dijo: “Aquí tienen esta cámara. Tómenla y vayan por el mundo cantando sobre la belleza de la creación, diviértanse. Pero recuerden que deberán lidiar con tiempos difíciles y nunca harán dinero con este instrumento”.
Eso les dijo el Señor a Viking Eggeling, Germaine Dulac, Jean Epstein, Fernand Leger, Dmitri Kirsanoff, Marcel Duchamp, Hans Richter, Luis Buñuel, Man Ray, Cavalcanti, Jean Cocteau, Maya Deren, Sidney Peterson, Kenneth Anger, Gregory Markopoulos, Stan Brakhage, Marie Menken, Bruce Baillie, Francis Lee, Harry Smith, Jack Smith, Ken Jacobs, Ernie Gehr, Ron Rice, Michael Snow, Joseph Cornell, Peter Kubelka, Hollis Frampton, Barbara Rubin, Paul Sharits, Robert Beavers, Christopher McLaine, Kurt Kren, Robert Breer, Dore O, Isidore Isou, Antonio De Bernardi, Maurice Lemaitre, Bruce Conner, Klaus Wyborny, Boris Lehman, Bruce Elder, Taka Iimura, Abigail Child, Andrew Noren y muchos otros. Muchísimos, esparcidos por todo el mundo. Así que tomaron sus Bolexs y sus pequeñas cámaras 8mm y Super 8 y comenzaron a filmar la belleza de este mundo y las complejas aventuras del espíritu humano, se diviertieron muchísimo haciéndolo. Y sus films no les dieron dinero ni nada de lo que se llaman útil.
Los museos de todo el mundo están celebrando el centenario del nacimiento del cine, los millones de dólares que los cines generan, volviéndose locos por sus Hollywoods. Pero nadia menciona ni a la vanguardia ni a los independientes de nuestro cine.
He visto los programas de museos, archivos y cinematecas de todo el mundo. Dicen: “no nos importa tu cine”. En tiempos de inmensidades, de espectáculo, de producciones de cien millones de dólares, yo quiero hablar de los pequeños, invisibles actos del espíritu humano: tan sutiles, tan pequeños que mueren cuando se colocan bajo las luces de Klieg. Quiero celebrar las pequeñas formas del cine: la forma lírica, el poema, las acuarelas, el estudio musical, el boceto, el retrato, el arabesco, las chucherías y las pequeñas canciones en 8mm. En tiempos en que todo el mundo quiere ser exitoso y vender algo, yo quiero celebrar a aquellos que abrazan el fracaso social diario para perseguir lo invisible, las cosas personales que no dan dinero ni pan, y que no hacen a la historia contemporánea, ni a la historia del arte ni a ninguna otra historia. Abogo por el arte de uno para los otros, como amigos.
Estoy parado en el medio de las autopistas de la información y me río, porque un mariposa en una pequeña flor en algún lugar de China acaba de agitar sus alas y sé que toda la historia, toda la cultura, ha cambiado drásticamente debido a ese aleteo. Una cámara Super 8mm acaba de emitir un pequeño zumbido en algún lugar del Lower East Side de New York, el mundo no volverá a ser el mismo.
La historia del cine es una historia invisible: la historia de amigos juntándose, haciendo lo que aman. Para nosotros, el cine está comenzando con cada nuevo zumbido del proyector, con cada nuevo zumbido de nuestras cámaras. Con cada nuevo zumbido de nuestras cámaras, nuestros corazones palpitan fuerte, amigos míos.
hoje tocamos com o N'Árica em um ritual no fraternidade Kaiman.

flexibilidade
amadurecimento

3 de maio de 2017

http://pt.m.wikihow.com/Namorar-um-Usu%C3%A1rio-de-Maconha http://media.upgifs.com/gif.php?id=78260

1 de maio de 2017

"Sensibilidade é a capacidade de entender sinais que não são verbais, nem verbalizáveis. É a faculdade de discernir o indiscernível, aquilo que é demasiado sutil para ser digitalizado [...] a compreensão entre os seres humanos sempre se dá, em primeiro lugar, no nível epidérmico. E aí está, hoje, o campo de batalha político. A intensificação do ritmo de exploração dos cérebros tem posto em colapso nossa sensibilidade, por isso a insurreição que vem será antes de tudo uma revolta dos corpos". Franco Berardi.

20 de abril de 2017

Nove verdades, por Manoel de Barros:
1) Tudo que não invento é falso.
2) Tem mais presença em mim o que me falta.
3) O meu amanhecer vai ser de noite.
4) Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.
5) A inércia é o meu ato principal.
6) Por pudor sou impura.
7) Não gosto de palavra acostumada.
8) Não preciso do fim para chegar.
9) Do lugar onde estou já fui embora.


*por kk maia

13 de abril de 2017

dormir com um copo dagua ao lado
pela manhã beber os sonhos
para poder digeri-los
Eu piloto porque é divertido.
Eu piloto porque gosto da liberdade que sinto ao estar exposto aos elementos, e ao perigo que faz parte do ato de pilotar.
Eu não piloto porque é fashion e está na moda.
Eu piloto a minha máquina, mas não a visto como uma roupa. Minha moto não é um símbolo de status. Ela existe apenas para mim, e para mim somente.
Minha máquina não é um brinquedo. É uma extensão do meu ser, e eu vou tratá-la de acordo, com o mesmo respeito que eu tenho por mim mesmo.
Eu me empenho em tentar entender o funcionamento da minha máquina, do item mais simples ao mais complexo. Eu vou aprender tudo o que puder sobre a minha máquina, para que eu não precise contar com ninguém mais além de mim para manter sua saúde e bem-estar.
Eu me esforço para melhorar constantemente o controle sobre a minha máquina. Irei aprender os seus limites para que possamos nos tornar um só, e assim manter nós dois vivos na estrada. Eu sou o mestre, ela é a serviçal. Trabalhando juntos em harmonia, seremos um time invencível.
Eu não irei temer a morte. Mas irei fazer todo o possível para evitar uma morte prematura. Medo é o inimigo, não a morte. Medo na estrada leva à morte, é por isso que não deixarei o medo me dominar. Eu irei dominá-lo.
Minhas máquinas viverão mais do que eu, elas serão meu legado. Eu cuidarei delas para que futuros motoqueiros possam estimá-las como eu as estimei um dia, sejam eles quem forem.
Eu não irei pilotar para ganhar atenção, respeito ou medo daqueles que não pilotam. Nem desejo intimida-los ou perturba-los. Para aqueles que não me conhecem, tudo o que eu desejo é que eles me ignorem. Para aqueles que querem me conhecer, eu vou compartilhar a verdade sobre mim, para que eles possam me entender e não temer outros como eu.
Eu nunca serei o agressor na estrada. No entanto, se provocado, irei lidar com a provocação de acordo.
Eu mostrarei meu respeito com os motoqueiros mais velhos ou com mais conhecimento do que eu. E tentarei aprender com eles o máximo que puder. No entanto, se o meu respeito não for apreciado ou correspondido, ele irá acabar.
Eu não serei desrespeitoso com outros motoqueiros menos experientes ou com menos conhecimento do que eu. Irei ensinar para eles o que puder. No entanto, se eles forem desrespeitosos comigo, levarão uns tapas.
Será minha tarefa ser o mentor de novos pilotos, se assim eles quiserem, para que a nossa espécie continue. Eu irei instruí-los, assim como fui instruído por aqueles antes de mim. Eu deverei preservar a honra e as tradições dos motoqueiros, e as passarei para frente inalteradas.
Eu não irei julgar outros motoqueiros pela escolha de suas máquinas, pela aparências ou profissão. Eu irei julgá-los apenas pela suas condutas como motoqueiros. Eu tenho orgulho das minhas conquistas, mas nunca irei me gabar delas perante aos outros. Irei dividi-las com os outros apenas se for perguntado.
Eu vou estar sempre pronto para ajudar outro motoqueiro que realmente precise da minha ajuda. E eu nunca vou pedir para outro motoqueiro fazer algo que eu possa fazer sozinho.
Eu não sou um motoqueiro de meio-período. Eu sou um motoqueiro em qualquer lugar que eu vá. Eu tenho orgulho de ser motoqueiro, e não escondo a minha escolha de vida de ninguém.
Eu piloto porque amo a liberdade, independência e o chão se movendo sob os meus pés. Mas acima de tudo, eu piloto para me conhecer melhor, minha máquina e os lugares por onde passo.
– Autor Anônimo –

http://olddogcycles.com/2013/10/a-doutrina-dos-motoqueiros.html
os pelos
uns rebeldes

que a gente controla
combate
e (su)oprime

um dia deixo os pelos crescer e vou pro mato.

12 de abril de 2017

avec mon amour an le bilhair

(da curta série de selfies nossos) work in progress - 2017

9 de abril de 2017

7 de abril de 2017

Ainda que te esforces para não te relacionar com ninguém, mesmo que te distancies de tudo e de todos e decidas ir morar num lugar ermo, tua presença é inextricavelmente vinculada a toda a humanidade e, por isso, passarão por ti todas as sensações que nossa humanidade produz a cada momento.
Sem ter consciência de como as coisas funcionam na realidade cósmica, nesse isolamento em que existes imaginas que as sensações sejam todas tuas e, por isso, as personalizas e tentas entender do teu ponto particular de vista.
Isso te destrói aos poucos, porque assumes o comando individual de algo que é infinitamente maior do que tua capacidade individual de comandar.
Para isso não ser assim, reserva um horário do dia para te entregares ao universo sem resistência, sem ressalvas e de forma incondicional.
q.

6 de abril de 2017

& Saturno já está retrógrado.
parou e voltou pra trás no grau 27 de Sagitário, e voltará até o 21. os eixos do tempo precisam ser revisados, as fronteiras entre crença e cegueira vão se abalar até a afinação. vale não encarar desilusões e frustrações como muralhas, escolha bem onde você quer colocar suas fronteiras.
& com o belíssimo trígono que essa retrogradação vai montando com Urano em Áries e que vai se manter até a entrada de Saturno em Capricórnio no fim do ano, eu acho, eu confio, e espero um dia ter certeza de que estamos todos nos atualizando de corpo físico e espírito, na constante sensação de day-after que andam esses tempos. é como acordar a cada dia numa catástrofe diferente & o mais importante, desculpem, acho que não é a consciência da ruína, da destruição, da derrota, mas a possibilidade de, pelo menos minimamente, aprendermos algo com isso. poderia, eu adoraria que fosse, adoraria que pudéssemos, que você pudesse, que eu possa descobrir novamente o fogo.
Saturno em trígono com Urano em signos de fogo pode ser como a lâmina amolada de Xangô, machado da justiça cortando rente o peso das coisas. e até agosto, acho que nada de veredictos, com o senhor do tempo andando pra trás, é tempo de revisar, rever, recolocar, replanejar, redescobrir.
e tudo isso pra quem quiser dançar, é numa dança, na dança de reinvenção de si.
& Saturno já está retrógrado.
parou e voltou pra trás no grau 27 de Sagitário, e voltará até o 21. os eixos do tempo precisam ser revisados, as fronteiras entre crença e cegueira vão se abalar até a afinação. vale não encarar desilusões e frustrações como muralhas, escolha bem onde você quer colocar suas fronteiras.
& com o belíssimo trígono que essa retrogradação vai montando com Urano em Áries e que vai se manter até a entrada de Saturno em Capricórnio no fim do ano, eu acho, eu confio, e espero um dia ter certeza de que estamos todos nos atualizando de corpo físico e espírito, na constante sensação de day-after que andam esses tempos. é como acordar a cada dia numa catástrofe diferente & o mais importante, desculpem, acho que não é a consciência da ruína, da destruição, da derrota, mas a possibilidade de, pelo menos minimamente, aprendermos algo com isso. poderia, eu adoraria que fosse, adoraria que pudéssemos, que você pudesse, que eu possa descobrir novamente o fogo.
Saturno em trígono com Urano em signos de fogo pode ser como a lâmina amolada de Xangô, machado da justiça cortando rente o peso das coisas. e até agosto, acho que nada de veredictos, com o senhor do tempo andando pra trás, é tempo de revisar, rever, recolocar, replanejar, redescobrir.
e tudo isso pra quem quiser dançar, é numa dança, na dança de reinvenção de si.

5 de abril de 2017

parei de fumar maconha por um tempo e estou lembrando dos meus sonhos quase todos os dias. até um breve cochilo e pá. um sonho breve. é bom sacar os modos como a nossa mente nos dá sinais das coisas que estão lá dentro e mais fundo. as drogas podem nos levar mais adentro, mas também podem fazer boiar na própria superfície. em busca do equilíbrio. parei por hora, mas se rolar um natural me chama.

4 de abril de 2017

"quando uma mulher, de certa tribo da áfrica, sabe que está grávida, segue para a selva com outras mulheres e juntas rezam e meditam até que aparece a 'canção da criança'. quando nasce a criança, a comunidade se junta e lhe cantam a sua canção.
logo, quando a criança começa sua educação, o povo se junta e lhe cantam sua canção.
quando se torna adulta, a gente se junta novamente e canta.
quando chega o momento do seu casamento, a pessoa escuta a sua canção.
finalmente, quando sua alma está para ir-se deste mundo, a família e amigos aproximam-se e, assim como em seu nascimento, cantam a sua canção para acompanhá-la na viagem.
nesta tribo da áfrica há outra ocasião na qual cantam a canção.
se em algum momento da vida a pessoa comete um erro, levam-no até o centro do povoado e a gente da comunidade forma um círculo ao seu redor. então lhe cantam a canção.
a tribo reconhece que a correção para as condutas anti-sociais não é o castigo, é o amor e a lembrança de sua verdadeira identidade. quando reconhecemos nossa própria canção, já não temos desejos nem necessidade de prejudicar ninguém.
teus amigos conhecem a sua canção e a cantam quando você a esquece.
aqueles que te amam não podem ser enganados pelos equívocos que comete ou as nebulosas imagens que os demais vêem.
eles recordam sua beleza quando se sente feia; sua totalidade quando está quebrada; sua inocência quando se sente culpada e seu propósito quando está confusa."
tolba phanem

29 de março de 2017

CARTA DE CAYMMI PARA JORGE AMADO
“Jorge, meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci.
Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês.
Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.
Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta.
Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?
Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha?
Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.
Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.
Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho.
A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.
que bom é ser contemporâneo de poetas que a gente admira

e poder ver a Ana Martins Marques tomar uma cervejota marota

ali na sapucaí

trocar um olhar empático de quem tem alguma intimidade apesar de nunca a ter devolvido nenhuma palavra.




28 de março de 2017

amor que corte fecha abre sangra e cicatriza

costurado



e no lugar do corte nasce uma nova pele

mais espessa e forte

traz em si a marca do que viveu e reinventou

21 de março de 2017



milton

mil tons

a tempo

há tempo

atemporal

há temporais

19 de março de 2017

16 de março de 2017

a pele por extenso

quando a gente escreve ou desenha na pele e deita na cama o desenho passa para o lençol.



Em 30 de julho completaram-se 35 anos da histórica greve dos operários da construção de Belo Horizonte (MG), deflagrada em julho de 1979, que ganhou o nome de “Rebelião dos Pedreiros”, tamanha a sua massividade, combatividade e revolta dos operários contra a situação de opressão e arrocho a que estavam submetidos. Como um turbilhão, a massa operária irrompeu pelas ruas desafiando a fascista ordem do regime militar pró-ianque, que reprimia a ferro e fogo todo movimento de resistência.
No dia 30 de julho de 1979, quase todas as obras foram paralisadas pela cidade. Os trabalhadores saíram dos canteiros de obra e concentraram-se na Praça da Estação. A polícia tentou cercar os manifestantes que romperam o cerco partindo em passeata para o antigo campo do Atlético, onde hoje funciona o Diamond Mall. Um táxi, que forçou caminho entre a multidão, atropelou um operário. O motorista se recusou a socorrer o ferido e o carro foi incendiado no meio da avenida. A greve se radicalizou.
Nos últimos dias de julho, o comércio cerrou suas portas no centro de Belo Horizonte. O antigo campo do Atlético foi palco de concorridíssimas assembleias, onde milhares de operários despertaram-se para a luta.
No dia 30 de julho, a cidade parou.
A tropa da PM investiu contra os operários com cacetadas e disparando armas de fogo. Um dos tiros disparados pela PM atingiu o peito do operário tratorista Orocílio Martins Gonçalves, que caiu mortalmente ferido. Os operários responderam com pedradas e a repressão recrudesceu. Trabalhadores tentaram resgatar o corpo do companheiro morto, mas foram impedidos pela saraivada de balas que a PM continuou a disparar. O muro lateral do ex-campo do Atlético ficou marcado de balas. Até hoje os assassinos do companheiro Orocílio Gonçalves, 24 anos, pai de um filho, continuam impunes.

2 de março de 2017




30 meninos que o tempo criou
eu sei que eu sou o que fui e o que sou


Homem de Trinta
Sérgio Sampaio
 

Quase que eu fui pro buraco
Por pouco nao fui morar no porão
Dancei mas não sei não
tive cuidado
De ter os pés quase sempre no chão
E a cabeça voando como se voa na imaginação
Longe do resto do bando
Mas sempre perto do meu coração

Depois de algum tempo nisso
Indo no fundo e voltando pra ver
Eu me descubro, amor, dentro do vício
Maravilhosamente a renascer. . .
Amando a vida como ama
o entalhador um pedaço de pau
o pescador o seu rio
e o sofredor sua mulher fatal

Hoje com os olhos mais claros
olhando as coisas como as coisas são
Eu me desenho, amor, como se pinta um quadro novo com o brilho e a cor
De todo homem de trinta. . . Trinta moleques que o tempo criou
E muito embora eu nao sinta
Eu sei que eu sou o que eu fui e o que sou

Tenho almoçado e jantado
Tenho tomado café da manhã
Barra pesada não, muito obrigado
Tenho levado uam vida sã
Tenho tomado algumas
E tenho amado uma mesma mulher
Eu tenho andado sem turma
Mas solitário eu sei que nao dá pé. . .

24 de fevereiro de 2017

ontem depois do tambor o Sorriso me deu uma agenda e uma aula.

agradeci e disse: Mas essa agenda é de 2013

ele respondeu: a agenda é antiga mas o que importa é o que você vai colocar nela. o ano não importa.
e esses dias que estão uma montanha russa!?! nos signos cardinais: marte primeiro ativou plutão e agora anda em direção a conjunção com urano e oposição a júpiter.
é tanta intensidade que a sensação chega a ser de uma trepidação física, um pacote energético de possíveis se abrindo em imprevistos, irritações, acidentes, egoísmos, mas também em renovações, assertividade, reciprocidade.
como optar?
eu mesma não sei muito bem.
tenho desconfiado que como um herói épico: joguete do destino que sou, eu o desafio & na impossibilidade de vencê-lo, eu o aceito.
aceito renascer em mim. num ser mais recíproco, consciente de que semelhante atrai semelhante evito a raiva que atrai a raiva, a irritação que traz a irritação & das fúrias aproveito o vento que pode levar às praias futuras cheias de ondas pra nadar, naufragar, boiar. viver as mil aventuras dos riscos!
procure uma ética que lhe dê prazer & cuidado com os conflitos, as raivas, muito presentes nesse momento: são energia precisando rodar, mas nessa situação? tanto precisando acontecer com todo o seu empenho, você vai mesmo colocá-lo aí?
melhor será e possível é: integrar-se no tempo presente, aceitar o dom do outro, incluir a si mesmo em todas as coisas, repelir o obsoleto, expulsar os medos: transformar.
tudo ao mesmo tempo
com a força de dois cavalos
um em cada mão puxando
e sendo guiado
pela regeneração.
boas sortes nos próximos dias, amiguinhos & confiem: os caminhos estão todos abertos. seja ético consigo mesmo e não ultrapasse ninguém.

20 de fevereiro de 2017

a sensação e estar no mar e ter o corpo levado pelas ondas.

a água salgada e sua flutuação

o rio mexe com a gente mas o mar sacode.

16 de fevereiro de 2017

Dever moral. Aquele que não é imposto nem pela lei nem pelo Direito, mas se subordina ao livre arbítrio e cujo cumprimento depende da consciência e dos princípios morais do ser humano.

15 de fevereiro de 2017


nada mal para o primeiro tambor de crioula do ano. na parelha eu, marquinhos e babara bangura.

15 de janeiro de 2017

vasculho caçambas
reviro lixeiras
em busca de algo brilhante para minha fantasia

13 de janeiro de 2017

ME CURAR DE MIM
Letra e música: Flaira
Sou a maldade em crise
Tendo que reconhecer
As fraquezas de um lado
Que nem todo mundo vê
Fiz em mim uma faxina e
Encontrei no meu umbigo
O meu próprio inimigo
Que adoece na rotina
Eu quero me curar de mim
Quero me curar de mim
Quero me curar de mim
O ser humano é esquisito
Armadilha de si mesmo
Fala de amor bonito
E aponta o erro alheio
Vim ao mundo em um só corpo
Esse de um metro e sessenta
Devo a ele estar atenta
Não posso mudar o outro
Eu quero me curar de mim
Quero me curar de mim
Quero me curar de mim
Vou pequena e pianinho
Fazer minhas orações
Eu me rendo da vaidade
Que destrói as relações
Pra me encher do que importa
Preciso me esvaziar
Minhas feras encarar
Me reconhecer hipócrita
Sou má, sou mentirosa
Vaidosa e invejosa
Sou mesquinha, grão de areia
Boba e preconceituosa
Sou carente, amostrada
Dou sorrisos, sou corrupta
Malandra, fofoqueira
Moralista, interesseira
E dói, dói, dói me expor assim
dói, dói, dói, despir-se assim.
Mas se eu não tiver coragem
Pra enfrentar os meus defeitos
De que forma, de que jeito,
Eu vou me curar de mim?
Se é que essa cura há de existir
Não sei. Só sei que a busco em mim
Só sei que a busco
Os Três Mal-Amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

11 de janeiro de 2017

http://www.revistaserrote.com.br/2017/01/o-escritor-como-leitor-por-ricardo-piglia/
TIRAR FOTOS...
Tirar fotos
Bater fotos é uma ação no tempo na qual alguma coisa é arrancada de seu próprio tempo e transferida para um tipo diferente de duração.
Em geral se acredita que o que é capturado nesse ato está DIANTE Da câmera.
Mas isso não é verdade.
Tirar fotos é uma ação em duas direções:
para a frente
e para trás.
Sim, tirar fotos também "sai pela culatra".
Essa comparação nem é tão capenga.
Assim como o caçador ergue sua espingarda, faz pontaria no cervo a sua frente, puxa o gatilho e, quando a bala sai do cano, é jogado para trás pelo coice da arma, o fotógrafo, analogamente, é jogado para trás, para si próprio, quando aperta o botão da câmera.
Uma fotografia é sempre uma imagem dupla, mostrando, à primeira vista, seu objeto, mas, num segundo olhar - mais ou menos visível, "escondido atrás dela", por assim dizer -, o "contracampo": a imagem do fotógrafo em ação.
Porém, assim como o caçador não é atingido pela bala, mas apenas sente o coice do disparo, essa contraimagem contida em toda fotografia tampouco é capturada pelas lentes.
(Embora de algum modo permaneça inextricavelmente na imagem, como uma impressão invisível do fotógrafo, que até chega a ser revelada na química da câmara escura....)
O que é então o coice do fotógrafo? Como sentimos seu impacto? Como ele afeta o objeto, e que vestígio dele aparece na fotografia?
Em alemão, há uma palavra muito reveladora para esse fenômeno, uma palavra conhecida em uma multiplicidade de contextos: EINSTELLUNG.
Significa a atitude com que alguém aborda alguma coisa psicológica ou eticamente, isto é, o modo de você entrar em sintonia e então "absorver" a coisa.
Mas Einstellung é também um termo de fotografia e cinema, que significa tanto o take (uma tomada específica e seu enquadramento) quanto o modo como a câmera é ajustada, em termos de abertura e da exposição mediante as quais o homem da câmera "tira" a foto.
Não é mera coincidência que (pelo menos em alemão) a mesma palavra defina tanto a atitude como a imagem assim produzida. Cada foto, de fato, reflete a atitude como a atitude de quem a tirou.
Assim, o coice do atirador corresponde ao retrato do fotógrafo que é mais ou menos visível "por trás da foto", só que, em vez de captar as feições dele (ou dela), define a ATITUDE do fotógrafo em relação ao que quer que esteja a sua frente.
A câmera, portanto, é um olho capaz de olhar para frente e para trás ao mesmo tempo. Para a frente, ela de fato "tira uma foto", para trás, registra uma vaga sombra, uma espécie de raio X da mente do fotógrafo, ao olhar direto através do olho dele (ou dela) para o fundo de sua alma.
Sim, para a frente, a câmera vê seu objeto, para trás vê o desejo de captar esse objeto específico em primeiro lugar, mostrando assim simultaneamente AS COISAS e O DESEJO por elas.
A cada segundo, em algum lugar do mundo, alguém abre um obturador apreendendo algo porque ele (ou ela) é fascinado por uma certa LUZ
ou ROSTO
ou GESTO
ou PAISAGEM
ou ESTADO DE ÂNIMO
ou simplesmente porque uma SITUAÇÃO quer ser apreendida.
Os objetos da fotografia, obviamente, são incontáveis, multiplicados ao infinito a cada segundo que passa. Ainda assim, cada momento em que uma foto é batida, em qualquer lugar do mundo em que ele ocorra , é um evento único, sua singularidade garantida pelo incessante progresso do tempo. (Até mesmo os zilhões de instantâneos de turistas naquelas "ocasiões para fotos" especialmente indicadas são, cada um deles, um evento que só ocorre uma vez. Mesmo em seus momentos mais triviais e corriqueiros, o tempo permanece irreversível.)
O que é espantoso em toda fotografia não é tanto que ela "congela o tempo" - como as pessoas geralmente acham-, mas sim que, ao contrário, o tempo prove de novo, a cada foto, O QUANTO é irrefreável e perpétuo.
Cada fotografia é um memento mori.
Cada fotografia fala sobre a vida e a morte.
Cada "imagem capturada" tem uma aura de sacralidade, transcende o olho do fotógrafo e excede toda capacidade humana: cada foto é também um ato de criação fora do tempo, da perspectiva de Deus, por assim dizer, relembrando aquele mandamento cada vez mais esquecido: "Não modelarás imagens".
Tirar fotos (melhor: ter o incrível privilégio de tirar fotos) é "bom demais para ser verdade". Mas do mesmo modo é verdade demais para ser bom.
Tirar fotos é sempre um ato de presunção e rebelião.
Tirar fotos, consequentemente, instila ganância e, com muito menos frequência, modéstia.
(É por essa razão que a atitude de jactância é muito mais comum em fotografia do que a atitude de humildade.)
Se, assim, a câmera atira em duas direções, para frente e para trás, fundindo ambas as imagens, de modo que o "atrás" se dissolve na "frente", ela permite ao fotógrafo, no momento exato do disparo, estar na frente com os objetos, em vez de separado deles. Através do "visor" o observador pode dar um passo para fora de sua concha para estar "do outro lado" do mundo, e com isso recordar melhor, compreender melhor, ver melhor, ouvir melhor e amar mais profundamente. (E, infelizmente, desprezar mais profundamente também, o "mau-olhado", afinal, existe.)
Em cada fotografia, há o início de uma história que começa com "Era uma vez...". Cada fotografia é o primeiro fotograma de um filme. Com frequência o momento seguinte, o segundo disparo alguns passos depois, isto é, a imagem subsequente, já está traçando o progresso dessa história em seu próprio espaço e em seu próprio tempo.
Assim, ao longo dos anos, pelo menos para mim, tirar fotos se converteu cada vez mais em "traçar histórias".
A cada segunda imagem, a "montagem" já está em curso, e a história que se anunciou na primeira imagem está agora seguindo sua própria direção, definindo seu senso de espaço e antevendo seu senso de tempo. As vezes novos atores aparecem, às vezes o suposto protagonista revela-se apenas um coadjuvante, e às vezes não há ninguém no centro, apenas uma paisagem.
Acredito firmemente no poder de construir histórias que as paisagens têm. Há paisagens, sejam cidades, sejam desertos, montanhas ou costas, que literalmente gritam pedindo que "SUAS HISTÓRIAS" sejam contadas.
Elas se evocam, chegam a fazê-las acontecer. Paisagens podem ser, elas mesmas, personagens principais, e as pessoas dentro delas, as figurantes.
Acredito com igual firmeza no poder narrativo dos objetos. Um jornal aberto, largado casualmente no canto de uma fotografia, pode contar tanta coisa!
Um cartaz no fundo do quadro!
O carro enferrujado projetando-se para fora de um dos lados da foto!
Uma cadeira!
Disposta ali de tal maneira que alguém devia estar sentado nela até poucos momentos atrás!
Um livro aberto sobre uma mesa com metade do título legível!
O maço de cigarros vazio na calçada!
A xícara de café com a colherinha dentro!
Nas fotos, COISAS podem ser serenas ou tristes, até mesmo cômicas ou trágicas.
Sem falar de roupas!
Em muitas fotos, elas são a parte mais interessante.
A meia baixada no tornozelo de uma criança!
O colarinho virado pra cima de um homem que só vemos de costas!
Manchas de suor!
Dobras!
Cerzidos e remendos!
Botões faltantes!
Uma camisa engomada!
A vida de uma mulher resumida toda em seu vestido, sua vida inteira revelando-se nas dores de um vestido!
O drama de uma pessoa expresso por um casaco!
Roupas indicam a temperatura de uma imagem, a data, a hora do dia, tempo de guerra ou tempo de paz.
E tudo isso aparece diante da Câmera só UMA VEZ, a cada fotografia converte essa uma vez numa eternidade.
Só ATRAVÉS da imagem capturada o tempo se torna visível, e no lapso do tempo ENTRE a primeira tomada e a segunda emerge a história, uma história que, não fosse por essas imagens, teria caído no esquecimento pela mesma eternidade.
Assim como queremos desaparecer no seio do mundo e no seio das coisas no exato momento de tirar a foto, o mundo e as coisas agora saltam da fotografia diante do observador, buscando sobreviver e durar ali.
É "ALI" que as histórias ganham vida, no olho do observador.
RETIRADO DO LIVRO "ONCE" DE WIM WENDERS.

9 de janeiro de 2017



é nois na faixa. respeita os pedestre porra.

5 de janeiro de 2017


gif de cena do filme porto de santos de Aluysio Raulino

2 de janeiro de 2017

"Sim, somos todas trabalhadoras, mas o suor do nosso ofício não tem a condenação bíblica do trabalho. Nosso suor é prazer e luta, alegria e esperança. Por isso, hoje estamos aqui."

discurso de posse de Cida Falabela.